16 dez, 2020

Por Betania Tanure

Evite confundir rigidez com rigor na gestão

Você já percebeu que existe uma diferença sutil, de extrema importância, entre rigidez e rigor? Na grafia, a coincidência se reduz às três primeiras letras. Já no que diz respeito às práticas de gestão, e mesmo às nossas escolhas pessoais, o comportamento rígido e o rigoroso diferem completamente, assim como os efeitos, positivos ou negativos.

Corremos um risco enorme de confundir os significados dos dois termos e, assim, ter boas desculpas para não atuar com a disciplina necessária ao bom desempenho dos negócios, aos indispensáveis processos de transformação da cultura organizacional e às mudanças que precisamos realizar em nós mesmos.

Entre as principais situações que causam essa confusão, destaco duas. A primeira é quando o movimento de mudança gera medos, levando, muitas vezes, à uma oposição. Cria-se um clima de insegurança. A resistência cresce. Uma estratégia inconsciente de defesa leva as pessoas a fugirem do rigor nas ações de mudança, com a desculpa de que se trata da indesejada rigidez. A segunda é quando a flexibilidade é exaltada, gerando uma distorção muito comum: a indisciplina travestida de ações flexíveis. Decisões ou ações rigorosamente corretas são interpretadas como produto da inflexibilidade, um sinônimo de rigidez.

A palavra “rigidez” deriva do latim rigidus. É fortemente associada, nos bons dicionários de nosso idioma, ao estado de quem não cede nem à flexão, nem à pressão e não é maleável. Também é definida como alta resistência à mudança: imobilidade, intransigência ou austeridade. Na linguagem simbólica, encontramos termos negativos, como “rigidez de estátua” e “rigidez da morte”.

Morte? Imagino a sua expressão de surpresa. Afinal, ninguém quer essa rigidez na vida. Mas o rigor de que trato aqui relaciona-se à disciplina de fazer o certo, de forma consistente e correta. Em um processo de transformação, significa ter a coragem de não se esquivar do que é preciso fazer, mesmo que doa na própria carne, e manter o ritmo, sem se esconder atrás de desculpas. Significa não usar rotas de fuga, como quando se acusa um método de mudança de “rígido” (característica ruim por definição), nem usar o discurso do “quero fazer do meu jeito” para escamotear a resistência ou a real intenção de não mudar.

Proponho um breve exercício. Suponha que você tem um problema de saúde: uma dor do lado esquerdo do peito. Após os exames recomendados, vem o diagnóstico: trata-se de um sério problema cardiológico e o tratamento é feito por meio de cirurgia, com duração de no mínimo seis horas. Na avaliação de seus familiares, porém, o problema não é tão grave, é uma simples inflamação no braço esquerdo que pode ser resolvida com um procedimento que não tomaria metade desse tempo. Ademais, vocês têm alguns compromissos importantes agendados e a sua recuperação tem de ser rápida.

Em um caso desses, o que se espera de um bom e responsável médico? Que faça o que é correto, com a disciplina e o rigor necessários. Se ao final da discussão a opção seja a de não encarar as prováveis seis horas de cirurgia, é possível “matar o mensageiro” e mudar de médico.

É certo que em determinadas circunstâncias um procedimento mais breve pode ser a escolha correta, enquanto em outras significa postergação, talvez a ponto de nem mesmo uma cirurgia prolongada ser suficiente para a cura. Também é fundamental que a decisão seja pautada pelo rigor, e não pelo medo, nem pela exaltação da flexibilidade, que levariam a uma alternativa falsamente eficaz.

A despeito disso, no Brasil, boa parte das empresas e dos executivos prefere ignorar os excessos da flexibilidade, repetidamente justificados como se não existissem distorções. Todos sabemos que esse traço natural de nossa cultura é indiscutivelmente necessário em um mundo de múltiplas e profundas transformações como o de hoje. Mas e o rigor? Não nos enganemos: em qualquer processo de mudança, o traço flexibilidade terá seu potencial de alavanca se, e somente se, estiver calibrado com o rigor. Junto a disciplina, é o rigor que garante ritmo e velocidade contra as resistências naturais. Nesse momento é possível distinguir o que é correto na gestão do processo – o que gera desconforto mas não pode, nem deve, ser feito pela metade. Deve ser rigorosamente aplicado.

Nesse caminho, há que ter coragem para fazer frente ao poder. A necessidade é de não ceder em nome do conforto das relações, fazer o que é melhor para o “conjunto da obra”. Na contramão, a confusão entre rigidez e rigor afasta os executivos do seu melhor potencial de desempenho, afasta as empresas da realização mais efetiva dos processos de transformação, afasta você das mudanças necessárias na vida pessoal e profissional. A arte está em ter flexibilidade no que é possível e rigor no que é necessário.

Fonte: Jornal Valor