21 dez, 2020

Por Angela Vega

Negritude e Branquitude: uma reflexão

Tempo de leitura: 4 min

Assumo minha branquitude, assim como todos os vieses cognitivos que me habitam, e falo a partir deles com minhas vivências e observações. Feito esse disclaimer (em português, aviso legal), fiquei impressionada com a leitura recente do livro “Pequeno Manual Antirracista”, escrito por Djamila Ribeiro, filósofa, professora e ativista, como ela se define. Recomendo a leitura.

No livro, a autora nos faz entrar em contato com o racismo estrutural e que, devido ao fato dele estar impregnado em nossas vidas, não podemos/devemos entrar em uma conversa, assumindo que não somos racistas. A branquitude, em oposição à negritude, vivemos em um contexto de privilégios, somente pela origem que temos. Pensando em generalizações, sou reticente a elas porque também me sinto excluída, quando ouço que “todos” os brasileiros possuem raízes negras, índias e são miscigenados. Sou brasileira, nascida no Rio de Janeiro, mas meus pais são espanhóis. Vieram para o Rio de Janeiro em 1960, se conheceram no navio de imigração, casaram e se estabeleceram aqui no Brasil. Se eles possuem miscigenação por conta das invasões árabes na Península Ibérica, não posso ter certeza. Tenho certeza de que a generalização não se aplica a mim. Da mesma forma, talvez outras pessoas, negras ou brancas, não tenham essa miscigenação… Falando de sangue. Já na cultura, diversos desses traços fazem parte do nosso dia a dia… O que faríamos sem a mandioca (aipim para alguns), cultivada inicialmente pelos indígenas? E os deliciosos pratos baseados na cultura africana (vatapá, caruru, bobó, acarajé)? E as palavras de origem indígena (caatinga, caipira, carioca, capenga, nhenhenhém) ou de origem africana (dengo, caçula, cafuné, quitanda, fubá, cachaça, muvuca) que estão completamente incorporadas ao nosso vocabulário?

Admitir que somos privilegiados, é o primeiro passo. Assisti a uma entrevista da empresária Monique Evelle, no evento HSM Expo Now. Ela citava a diferença de tratamento e de percepção que acontece quando uma pessoa negra sai de um carro, por exemplo, e começa a correr em uma rua… não se imagina que ela possa estar atrasado/a para um compromisso. Os brancos podemos correr, sem que a polícia nos persiga ou os olhares nos condenem (previamente). Outro ponto citado por ela, foi a inclusão da palavra “negro ou negra” quando nos referimos à pessoa. Dizer Monique Evelle, empresária negra, seria o equivalente a dizer Angela Vega, coach e palestrante branca. Esquisito, não? Pois é o que possivelmente fazemos e lemos sem nos darmos conta…

Penso ainda nas razões que nos fazem escolher como pessoas negras de destaque, ou referência, Oprah Winfrey (apresentadora americana), o casal Obama (ex-presidente americano e ex-primeira-dama) e Maya Angelou (poeta e ativista americana). Não estou desvalorizando as pessoas citadas, estou questionando por que não reforçamos ou escolhemos referências brasileiras. Uma das respostas é dada por Djamila quando ela fala do epistemicídio, isto é, o apagamento sistemático de produções e saberes produzidos por grupos oprimidos, conceito originalmente proposto pelo sociólogo português Boaventura Sousa Santos.

Em seu livro, Djamila nos traz diversas referências em vários campos: Abdias Nascimento (ator, diretor, dramaturgo), Ana Cláudia Lemos (socióloga, doutora em ciências sociais, pesquisadora sobre gênero, raça e lideranças femininas), Carla Akotirene (formada em serviço social, mestra e doutoranda em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo), Elisa Lucinda (poeta, jornalista, atriz e cantora), Conceição Evaristo (escritora, professora e ativista), Marcela Bonfim (economista e fotógrafa), Neusa Santos (psiquiatra, psicanalista e escritora) e tantas/os outras/os…

Trata-se de expandir nossa consciência, saltando para fora do aquário em que, vivendo cercados de água, passamos a não enxergá-la. Ficamos “cegos” para a realidade. Mesmo me considerando uma pessoa aberta e esclarecida, pude perceber vários pontos cegos.

Fica o convite para uma autorreflexão.

 

Referências:

Pequeno Manual Antirracista. Djamila Ribeiro. Companhia das Letras. 2019

https://www.geledes.org.br/poetas-negras-da-literatura-brasileira/

https://moniqueevelle.com.br/

 

Imagem: Image by Gerd Altmann from Pixabay