20 dez, 2020

Por Beth Accurso

Seguir as melhores práticas significa fazer tudo igual

Quando Patty McCord saiu da chefia da área de recursos humanos da Netflix em 2012, ela foi visitar outras empresas de tecnologia do Vale do Silício para saber o que as companhias do berço da inovação dos EUA estavam fazendo de diferente na área de gestão de pessoas. “Eu comecei a me encontrar com startups e profissionais de RH, e ninguém estava fazendo nada. Estávamos no meio de um segundo ‘boom’ de empresas de tecnologia, e a única diferença é que as pessoas agora tinham cerveja no escritório”, diz.

O exemplo, para a consultora e palestrante, demonstra que a obsessão por tornar funcionários felizes entrou para as “melhores práticas” do RH – e Patty é uma forte oponente da ideia de “melhores práticas”. “Na minha experiência, isso sempre significa fazer o que todo mundo está fazendo”, afirma.

Com mais de três décadas de experiência na área de gestão de pessoas, 14 deles na Netflix, Patty lançou este ano o livro “Powerful: Building a Culture of Freedom and Responsability” (“Poderoso: Construindo uma cultura de liberdade e responsabilidade”), sem tradução no Brasil. “Por exemplo, estamos há anos usando sistemas de compensação que resultaram em diferenças salariais entre homens e mulheres, geração após geração. Talvez isso não seja exatamente uma melhor prática”, diz. Ela vem a São Paulo em novembro para uma palestra no HSM Expo.

Foi na Netflix que Patty desenvolveu, junto com o CEO Reed Hastings, um documento que explica a cultura da companhia em detalhes e defende a “transparência radical” como fundamento da gestão. Inicialmente criado para fazer parte do processo de integração de novos funcionários, a apresentação com mais de 100 slides foi compartilhada na internet na íntegra pelo próprio Hastings e lista os comportamentos que a empresa diz valorizar, promover e recompensar.

Há coisas como “ser rápido para admitir erros”, “não ser político ao discordar dos outros e ser reconhecido por ser direto”, “saber separar o que precisa ser feito agora do que pode ser melhorado depois” e “babacas brilhantes são tolerados em algumas empresas, mas aqui não, o custo para a equipe é grande demais”. Um slide explica que qualquer comportamento diferente vai resultar em pouco tempo na empresa e que o desempenho apenas “adequado” resulta em um “pacote generoso de desligamento”. A companhia “é um time, não uma família”, informa o documento.

O que ela fez de diferente, explica Patty, foi colocar no papel o que deveria ser a cultura da empresa. “Fizemos questão de não fazer uma declaração floreada do que queríamos ser”, diz. A seção sobre os comportamentos ideais foi reescrita seis vezes enquanto ela estava lá. “As empresas devem revisitar suas culturas pelo menos duas vezes por ano, e questionar: como nós dissemos que íamos operar, e conseguimos isso?”, diz. Ela alerta que é impossível manter a mesma cultura para sempre – crescer exige mudanças, e a comunicação e o compartilhamento de informações são os elementos mais impactados.

“A cultura de uma empresa são as histórias que você conta, o jeito que você se comporta, se você lidera pelos princípios que defende. Mesmo as empresas que nunca falam do assunto têm cultura, e você sabe como elas são por causa da sua reputação”, explica. Na sua opinião, são os dirigentes da empresa que precisam definir a cultura da companhia, em especial, ao dar o exemplo. Com as redes sociais e a facilidade para se obter informação sobre como é trabalhar em um lugar, isso se torna ainda mais importante.

Para Patty, uma organização só vai ser transparente se os funcionários puderem ver a transparência no dia a dia. Ela dá um exemplo do que defendia quando trabalhava na empresa de streaming: se um funcionário esperto toma uma decisão burra, o gestor precisa identificar quais informações não foram compartilhadas com ele e o que o levou àquela decisão ruim, para evitar que isso se repita no futuro. “Há empresas em que as pessoas ganham poder por esconder informações dos outros. No geral, são companhias muito lentas”, diz.

Esse é um dos principais dilemas de executivos, que ela ouve em seu trabalho como consultora – como fazer uma companhia enorme trabalhar mais rapidamente? “Eu digo que eles precisam dar uma boa e longa olhada em quantos níveis de permissão são necessários para uma ótima ideia acontecer na empresa”, conta. Ela já ouviu executivos responderem até 30. “Quão produtivas são as pessoas da sua empresa cujo trabalho é dizer não? Porque é isso que significa ‘aprovação’”, diz. Foi Patty que definiu na Netflix a política de dias ilimitados de férias e que tirou a necessidade de aprovação em certas despesas. “Se eu contrato os melhores matemáticos do mercado, preciso mesmo exigir que eles peçam autorização para gastar US$ 10 mil?”

Para a consultora, estruturas de remuneração por bônus não levam as pessoas a tomarem as melhores decisões em um contexto de transformações rápidas. Ela defende que os profissionais sejam contratado com salários mais competitivos. “Quando falamos de bônus por desempenho, estamos definindo anteriormente o que é desempenho.” Isso pode mudar em um ano, afirma ela.

Quando recebe altos executivos preocupados com um futuro transformado por mudanças rápidas, Patty costuma lembrá-los que esse já é o presente, e que a cultura organizacional será fundamental para promover essas mudanças. Algumas das empresas que mais precisam atrair pessoas que sabem trabalhar dentro dessa nova realidade também são as que têm uma cultura “hierárquica, patriarcal, cheia de regras e de exigências de permissões”. “As pessoas de quem essas companhias mais precisam não querem trabalhar nelas, e as mais resistentes a mudanças já estão lá.”

Fonte: Valor Econômico, por Letícia Arcoverde, 16.10.2018