20 dez, 2020

Por Beth Accurso

Trabalhar de casa é para poucos níveis nas organizações

Desde que o formato de trabalho em home office foi formalizado pela reforma trabalhista, cresceu o número de empresas que oferecem essa possibilidade para funcionários. As companhias enxergam a prática como benefício para melhoria da qualidade de vida dos profissionais, como contribuição para facilitar o deslocamento em centros urbanos como São Paulo e para a redução de custos com o escritório. No entanto, a maioria ainda limita a prática a certas áreas e níveis da organização. Entre 2016 e 2018 cresceu em 22% o número de empresas que oferecem a possibilidade de o funcionário trabalhar de casa, segundo pesquisa da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt).

A reforma trabalhista incluiu o home office como modelo de trabalho no fim de 2017. Na pesquisa da Sobratt, que teve participação de 315 empresas, 45% das companhias oferecem a possibilidade de trabalhar em casa para os funcionários, e 15% estão avaliando ou planejando a implementação de programas de home office. Já 40% não usam a prática. Um quarto das empresas que permitem o trabalho remoto adotaram a prática há cerca de um ano. Na maioria das empresas que aderiram ao trabalho a distância, no entanto, não são todos os níveis e áreas que podem usar o benefício – enquanto 45% das companhias, por exemplo, permitem que executivos trabalhem de casa, cerca de um terço oferece o mesmo benefício para cargos de média gerência, como coordenadores, e para profissionais administrativos.

Em 25% das empresas, todos os cargos estão elegíveis, enquanto em 23% a prática está disponível para todas as equipes administrativas, e não para os funcionários operacionais. Pela natureza do trabalho operacional de boa parte das empresas é comum que o home office fique restrito ao setor administrativo. Mas delimitar os níveis e áreas em que o uso do home office é permitido, mesmo dentro de funções elegíveis e com perfil similar, pode ter consequências negativas, diz Cleo Carneiro, presidente da Sobratt. “Com essa diferença de hierarquia, o clima interno acaba sendo afetado, porque cria uma situação de favoritismo. A recomendação é o critério sempre ser o fato de o trabalho poder ou não ser feito de casa”, diz. Ele ainda vê, no entanto, muitas empresas com cultura de hierarquia forte se preocuparem demais com a perda de controle quando os funcionários atuam de casa. Segundo uma pesquisa da companhias de tecnologia Citrix feita com 550 gestores de TI de cinco países da América Latina, entre eles o Brasil, 57% das empresas instituíram o home office a pedido dos funcionários. Nas companhias que não adotam possibilidades flexíveis de trabalho, a rejeição vem do alto escalão – 79% dos respondentes dizem que os diretores da empresa não adotam a prática por falta de confiança nos funcionários e no formato.

A empresa de benefícios Sodexo começou seu programa de home office em abril do ano passado, e oferece aos funcionários a opção de trabalhar de casa uma vez por semana. O diretor de RH, Rogério Bragherolli, estima que a maioria dos 650 funcionários da empresa, localizada em Alphaville, na Grande São Paulo, sejam elegíveis – a exceção são cargos como os de segurança, que exigem a presença no local. Hoje 70% dos profissionais fazem parte do programa, pelo qual cada funcionário determina, junto com o gestor, o dia da semana em que não vai aparecer no escritório. A empresa formalizou a prática em contrato e tanto o funcionário quanto o chefe são treinados em como trabalhar a distância. A decisão de adotar o home office faz parte de um programa maior de qualidade de vida criado pela empresa, que está posicionando sua marca para atuar com ofertas de serviços de bem-estar e benefícios, indo além dos já conhecidos cartões de vale-refeição. “É uma estrutura mais flexível, com mais confiança e autonomia e menos micro-cobrança”, diz Bragherolli, “para o funcionário não ficar desesperado com o Fantástico no domingo à noite”, brinca.

Ele conta que a prática ajudou principalmente depois que um viaduto na Marginal Pinheiros cedeu, em novembro do ano passado, causando interdição na via e atrapalhando o trânsito da região que é caminho para a sede da empresa de quem mora em diversos bairros da capital. Segundo Bragherolli, a companhia está pensando em ampliar o número de dias – embora ele mesmo, por “gostar de estar na empresa”, raramente trabalhe de casa. A mobilidade urbana é um ponto frequentemente citado pelas empresas quando explicam os motivos para a adoção do teletrabalho, especialmente em grandes centros como São Paulo. Em outubro do ano passado, o vereador José Police Neto (PSD) apresentou um projeto de lei que institui incentivos fiscais para empresas que ofereçam a possibilidade de os funcionários trabalharem de casa, citando a redução de deslocamentos e a ampliação da oferta de emprego em regiões distantes do centro e para pessoas com mobilidade reduzida.

A proposta institui que o município poderá reduzir em até 1% a alíquota do ISS, a depender da porcentagem de funcionários em home office em relação ao quadro total. Na Pirelli, o programa foi implementado há pouco mais de um ano e deu aos cerca de 150 funcionários administrativos a opção de trabalhar um ou dois dias por semana de casa. Segundo Giusepe Giorgi, diretor de recursos humanos da Pirelli para América do Sul, a maioria prefere passar dois dias longe do escritório. Uma das intenções do programa é reduzir o espaço físico que a empresa ocupa – outro ponto frequentemente citado por empresas que adotam o home office. Na fabricante de pneus, a sede administrativa passou de cinco para três andares.

Segundo Giorgi, a adoção do programa respondeu tanto a uma demanda dos profissionais – ele diz ser comum que candidatos questionem se a empresa oferece a possibilidade em entrevistas de emprego – e para amenizar o aumento no deslocamento causado pela mudança da sede da empresa de Santo André, no ABC Paulista, para a Av. Faria Lima, na capital, em 2014. No programa de home office a empresa forneceu os notebooks, promoveu treinamentos com funcionários e gestores e fez um adendo ao contrato de trabalho. Hoje a maioria dos funcionários elegíveis estão participando do programa, e a empresa está estudando ampliar para mais cerca de 140 funcionários de áreas técnicas que ficam na fábrica e cujo perfil de trabalho permite trabalhar de casa. Quem preferiu ficar no escritório a semana toda justificou dizendo que não tem estrutura para trabalhar em casa da mesma maneira que faria na empresa.

O próprio Giorgi prefere ir todo dia ao escritório. “Minha função é principalmente falar com as pessoas, então se eu estou longe eu fico meio perdido”, diz. Não são apenas empresas localizadas em cidades em que o trânsito assusta, como São Paulo, que adotam o home office, no entanto. Daniele Fonseca, diretora de RH da fabricante de compressores Embraco, com sede na cidade catarinense de Joinville, diz que a mobilidade não foi um ponto que influenciou a decisão da companhia de criar há cerca de um ano um programa de home office que permite a 50% dos funcionários trabalharem de casa uma vez por semana. Segundo Daniele, oferecer mais flexibilidade foi visto como um benefício para os funcionários e se tornou possível após uma mudança na plataforma de tecnologia da empresa, promovida entre 2016 e 2017, que permitiu a aprovação de documentos de forma remota.

Os dias são combinados com o gestor mas não precisam estar fixos previamente, podendo atender à demanda da semana, diz Daniele. “A tecnologia foi fundamental e facilita muito”, afirma. A mudança já era planejada antes da aprovação da reforma trabalhista, mas ela diz que a inclusão do formato na legislação foi uma “motivação adicional”. Hoje cerca de 400 pessoas participam do programa, o que ela diz ser em torno de metade dos elegíveis. Daniele diz que a empresa vai medir a satisfação com pesquisas para estudar a ampliação do programa para mais dias. “Não sentimos nenhuma queda na produtividade, as pessoas ficam tão comprometidas que a comunicação acaba ficando muito rápida”, diz.

Fonte: Jornal Valor