08 dez, 2021
Por Betania Tanure
Cidadãos de primeira e de segunda classes
A colunista Betania Tanure escreve sobre a importância de incluir nas discussões de gestão de pessoas os profissionais que não têm a possibilidade de fazer o home office
Uma questão tem me inquietado na importante discussão sobre a escolha entre o home office e o presencial. Para quem não viu os resultados de nossa última pesquisa, trago uma breve síntese: quanto mais alto o cargo do executivo, maior a percepção de que o trabalho em casa compromete a produtividade. Outro efeito evidente dessa escolha é que a cola entre as pessoas, e delas com a empresa, já entrou no “cheque especial” da cultura. E eu acrescentaria um terceiro: a tela traz limites à boa gestão do conhecimento e do desenvolvimento.
Deve-se dar atenção especial aos jovens, que, embora se relacionem com tecnologias de outra forma, pois já nasceram na era digital, hoje perdem a chance da aprendizagem tácita, da construção de relacionamentos que possam ir além da tela. Perdem acolhimento, interação, a amplitude de conhecimento mútuo que só a linguagem corporal permite. Talvez essa discussão esteja obnubilada, pois não discute o home office quando deveria ser discutido o tipo de vínculo que esse jovem quer ter com a empresa. Essa, sim, uma mudança geracional relevante.
Mas o ponto de análise aqui é a inclusão de cidadãos, ou melhor, de colaboradores, que não pertencem ao grupo hoje contemplado com o trabalho em casa. Uma discussão invade a pauta da liderança, dos RHs, as conversas: “Quero ficar em home office e preservar a qualidade de minha vida pessoal, caso contrário mudo de empresa”.
Independentemente da pertinência dessa discussão, vale lembrar que 89% da população ocupada não trabalha em casa, segundo o Ipea. Atua na área de logística, linhas de produção industrial, na linha de frente do sistema de saúde e de tantos outros setores. A maioria, portanto, das pessoas que trabalham não estão em home office! Imagine se não parece hipócrita para esses profissionais a discussão que invade a agenda da liderança. Pense no sentimento dessas pessoas ao perceber que elas, 89%, parecem estar fora do centro de discussão das novas políticas da empresa. Pense que a discussão sobre benefícios abrange quem trabalha em casa, e não quem nos momentos mais críticos da pandemia se arriscou saindo de casa. Seriam colaboradores de segunda classe?
Vale um alerta: não podemos ter a sensação de cidadãos de primeira e de segunda classe. Integre as duas discussões. Reveja, sim, a política de quem tem de se manter no presencial. Perceba que o mecanismo organizacional é diferente: a complexidade de gestão aumenta, indicadores mudam, símbolos e rituais devem ser revistos, a forma de “manter a cola e a cultura” se altera.
Hoje, liderar é mais complexo. Daqui para frente, surgirão modos diferentes de gerir pessoas e cultura. Deve-se considerar que, embora o home office alargue as possibilidades de trabalho, passa-se a disputar os processos seletivos com pessoas que moram em outras partes do mundo. Tudo isso se dá em um momento em que a pandemia nos pede atenção para não se repetir no Brasil o que ocorre em países da Europa. Estamos todos ávidos de “aglomerações afetivas”, mas temos de ser racionais também. A pandemia, infelizmente, ainda não acabou. Temos de criar meios seguros de nos relacionar, de evitar a polarização na discussão sobre home office e presencial e, por fim, é fundamental incluir os 89% nas discussões!
Por outro lado, o foco nas necessidades individuais do colaborador é tendência: esse é outro dado de nossa pesquisa. E na tentativa de calibrar esse foco com a visão empresarial corre-se o risco de ser taxado de antigo.
É clara a urgência de integrar as diferentes perspectivas. Que essa seja a nossa premissa em 2022: integração recheada de união, afeto e inovação, que vão gerar resultados admiráveis. Não tenha dúvida disso!