16 dez, 2020

Por Dora Gurfinkel Haratz

Laços

Laços… Compromisso e Comprometimentos, têm sido temas bastante discutidos, ultimamente.
Tenho visto o quanto a palavra “compromisso” tem gerado profundo mal estar em algumas pessoas.
Um termo tão pleno de significantes significados, tão humano, tornou-se, de repente, quase maldito!
Melhor dizê-lo bem…
É impossível tentar realizar o mito de ser sozinho. Pura fantasia!
Fato irrefutável: somos humanos, portanto, seres de “com/vivências”…

De que será que temos medo? Pois é por medo, suponho que evitamos nos comprometer.
Medo de não sermos correspondidos, talvez.
Mas como sermos correspondidos se julgamos nada ter a oferecer ou quando pensamos não ser o Outro merecedor do que temos a ofertar?
Neste momento paro e penso:

Ninguém é suficientemente pobre que não tenha nada a oferecer, nem desmesuradamente rico que nada tenha a receber.

Parece que nossa “palavra de honra” está com seus dias contados, desmerecida, esvaziada, até mesmo ridicularizada. Um horror!
É preciso consideramos também, a “Reciprocidade”.
Sem este compromisso do Outro para conosco, seríamos lançados ao desamparo absoluto. Coisa terrível, esta sim, o desamparo. Aquele que desde cedo lutamos para evitar. Por sobrevivência mesmo.

Pensemos agora no “Comprometimento”…
No mundo corporativo, por exemplo, temos uma série de compromissos, uma série de tarefas, por assim dizer.
Já o comprometimento é a relação que estabelecemos com estes compromissos.
Uma vez envolvidos e motivados, compromissos fazem parte desta rica aliança de pertencimento. Eis que nos encontramos naturalmente comprometidos com causas, pessoas, objetivos e sonhos. Humanos…
Funciona assim com nossos afetos também. Somos os mesmos, onde quer que estejamos…
A partir deste ponto, basta que nos mantenhamos fiéis a nós mesmos, simplesmente. Um novo ponto de vista, uma nova cena, mais arejada, aqui se apresenta.
Precisamos ser sinceros conosco e, portanto, com os Outros.
Se por algum motivo começarmos a questionar nossa motivação, está na hora de repensarmos se as causas ainda fazem sentido para nós, se os objetivos ainda são os mesmos, se as regras estão de acordo com nossos valores atuais.
Não conseguimos fugir de nós mesmos. Nem vale a pena tentar…

Objetivos em mente, identificados com causas e valores pessoais que nos representem, podemos dizer: “terra à vista”, sem medo de naufragarmos.
A vontade de pertencer, a ética, o afeto e a comunicação nos bastam.
Parece muito, mas são atributos que já nos constituem. Fazem parte de nossa natureza.

Lembro aqui um pequeno extrato de texto do filósofo francês Paul Ricouer (1913/2005):
“Quem diz iniciativa diz responsabilidade. Toda a iniciativa é uma intenção de fazer e, como tal, um compromisso a fazer, portanto, uma promessa que eu faço silenciosamente a mim mesmo e tacitamente a outrem. A promessa é a ética da iniciativa.”

Depender… dependemos mesmo é das relações que estabelecemos, das atitudes, do querer fazer parte de… O fato do pertencimento é, por si só, constituinte do nosso ser. Fato.
Isto demanda sim uma boa dose de dedicação, organização e senso de responsabilidade, com aquilo ou com quem, nos comprometemos.
Para que complicarmos? Somos gregários.

Não nego aqui a necessidade fundamental de nos pensarmos como indivíduos. Mas não só(s). Pelo simples fato de nos engendramos uns aos outros.

O medo da dependência me parece ser uma forma de “re-atualizá-la”. Seja em nossas relações afetivas, familiares, ou corporativas.
Parece ser também uma falsa questão, uma vez que esta condição nos é dada desde nossa “pré-história’ individual.
Somos seres de pertencimento. Este é nosso tecido, não nossa armadilha.

Sem nos lançarmos nesta empreitada, a de nos comprometermos conosco e com os Outros, viveremos à deriva em nosso barco falsamente chamado de Liberdade.
Sem amarras, é bem verdade, mas também sem laços.