03 maio, 2021

Por Angela Vega

Liderança e Meritocracia

No final de 2020, fui convidada a fazer uma palestra sobre meritocracia para uma equipe gerencial e comecei a preparação, fazendo uma pesquisa sobre a origem da palavra.

Atuando em RH, já tinha ouvido falar em meritocracia, a partir do livro “Igualdade e Meritocracia” de Lívia Barbosa, no início dos anos 2000, no qual a autora compara sua aplicação no Brasil, Estados Unidos e Japão.

A palavra “mérito” tem origem latina e pode ser interpretada como valorização ou reconhecimento, receber o que lhe corresponde. Já a palavra “meritocracia” é a união da palavra latina “mereo” (ser digno, valorização, recompensa) com o sufixo grego “kratos” (força ou poder).

Continuando a pesquisa, fiquei surpresa ao descobrir que o termo “meritocracia” havia sido criado por Michael Young, Barão Young de Dartington (1915 – 2002), sociólogo britânico e ativista social e político, em seu livro “The Rise of the Meritocracy”, escrito em 1958. A história era uma sátira (técnica literária que ridiculariza determinado tema) para alertar o que poderia acontecer na Inglaterra entre 1958 e uma imaginada revolta contra a meritocracia em 2033. As pessoas eram tratadas com base no mérito, entretanto as distorções foram se ampliando.

O próprio autor escreveu um artigo, em 2001, criticando a forma como as empresas e as sociedades se apoderaram do conceito e o aplicaram. Segundo ele: “A meritocracia empresarial está na moda. Se os meritocratas acreditam, à medida que mais e mais deles são encorajados a acreditar, que seu avanço vem de seus próprios méritos, eles podem sentir que merecem tudo o que conseguem. Eles podem ser insuportavelmente presunçosos, muito mais do que as pessoas que sabiam que haviam progredido, não por seus próprios méritos, mas porque eram, como filhos ou filhas de alguém, os beneficiários do nepotismo. Os recém-chegados podem realmente acreditar que têm a moralidade do seu lado. A elite se tornou tão segura que, quase não há bloqueio às recompensas, que eles se atribuem injustamente. As velhas restrições do mundo dos negócios foram suspensas e, como o livro também previu, todos os tipos de novas maneiras de enriquecer injustamente foram inventadas e exploradas.”

Trazendo uma perspectiva sobre a meritocracia, o ilustrador australiano criou o quadrinho intitulado “On a Plate” (“De Bandeja”, em português), em que mostra duas pessoas sujeitas a realidades diferentes, oferecendo uma reflexão sobre privilégios e oportunidades. Vale conferir o link nas referências.

Pensando no gestor, no líder de uma empresa, que adotou como modelo a meritocracia e por isso, precisa navegar no sistema, proponho algumas reflexões que podem contribuir para suas ações e para o aumento de consciência sobre o tema.

Inicialmente, é necessário considerar o caldo cultural brasileiro, explorado pela Profª. Betania Tanure no livro “Gestão à Brasileira” ao revisitar seu modelo “Estilo Brasileiro de Administrar”. Alguns dos traços apresentados podem impactar, e devem ser considerados, na aplicação da meritocracia nas empresas brasileiras, dentre os quais, destaco os seguintes: o paternalismo, o evitar conflito (busca da harmonia nas relações), a concentração do poder, o personalismo, a lealdade às pessoas e o medo de errar.

Em uma reflexão individual, o próprio líder pode avaliar seus “modelos mentais” que  são os pressupostos arraigados, generalizações ou mesmo imagens que influenciam sua forma de ver o mundo e de agir. Sua origem pode ser pesquisada na biografia, entre os 7 e 14 anos, quando recebemos da família, da escola e da sociedade, as normas de conduta e os valores.

Como a meritocracia implica em avaliação de desempenho e tomada de decisão sobre a quem “dar” o mérito, ressalto a influência dos vieses cognitivos. “Um viés cognitivo (ou tendência cognitiva) é um padrão de distorção de julgamento que ocorre em situações particulares, levando à distorção perceptual, julgamento pouco acurado, interpretação ilógica, ou o que é amplamente chamado de irracionalidade” (fonte Wikipedia). Seguem alguns exemplos:

– Tendência ao centro (avaliar todos na média da escala);

– Efeito de auréola/chifre (um aspecto pessoal influencia a avaliação geral);

– Efeito de semelhança com o avaliador (avaliar melhor pessoas que se parecem com você);

– Imediatismo (permitir que acontecimentos recentes influenciem a avaliação total);

– Efeito contratado versus herdado (avaliar melhor pessoas que você escolheu em relação às que já estavam na equipe);

– Efeito da beleza física (presumir que pessoas dotadas de beleza física tenham desempenho superior).

 

Interessante, não? Você consegue identificar esses vieses nas suas tomadas de decisão?

Os possíveis erros na avaliação do desempenho causados por esses desvios podem interferir na meritocracia.

Qual a saída? Autoconhecimento, senso crítico (observação e reflexão) e empatia para “compreender respeitosamente o que os outros estão vivendo” (segundo Marshall Rosenberg).

A partir das questões levantadas, como você pode melhorar o desempenho de seu papel como líder?

 

Referências:

Igualdade e Meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas. Lívia Barbosa. Editora FGV. 2003.

https://etimologia.com.br/mérito/

https://etimologia.com.br/meritocracia/

https://www.theguardian.com/politics/2001/jun/29/comment

https://www.hypeness.com.br/2015/05/quadrinho-resume-o-porque-de-a-historia-de-que-todo-mundo-tem-as-mesmas-chances-nao-e-tao-verdadeira-assim-2/

Gestão à brasileira: uma comparação entre América Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia. Betania Tanure. Editora Atlas, 2005.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Vi%C3%A9s_cognitivo

https://www.visualcapitalist.com/wp-content/uploads/2018/03/18-cognitive-bias-examples.html

https://www.visualcapitalist.com/50-cognitive-biases-in-the-modern-world/

vieses-cognitivos-1.png (985×1844) (voicers.com.br)

Leonard Mlodinow. Subliminar. Ed. Zahar

Leonard Mlodinow. Elástico. Ed. Zahar

Imagem de Tania Dimas por Pixabay