09 jun, 2021
Por Gilberto Ururahy
O ratinho e a gaiola: o ser humano como cobaia
Condição prévia ou doença pré-existente são fatores de risco não apenas para a Covid-19
Poderia ser uma daquelas fábulas de La Fontaine: um ratinho é colocado em uma gaiola para um experimento, como acontece tantas vezes em experimentos científicos com cobaias. De uma hora para a outra, o privam de sua liberdade e do convívio com os outros ratinhos. Pouco a pouco, o animal vai apresentando sinais de adoecimento: já não sente ânimo de se exercitar na roda da gaiola, se alimenta mal, tem o sono alterado. Ao cabo de um mês de isolamento, se o ratinho fosse operado e investigadas as consequências das mudanças abruptas e profundas que enfrentou, seguramente, encontrariam traços de hemorragia em seu estômago, muita gordura na cavidade abdominal, as glândulas suprarrenais (que produzem os hormônios do estresse) dilatadas pela alta demanda, falta de pelos e escoriações na pele, em função das várias tentativas de fuga do isolamento. A história, no entanto, não é do fabulista francês: é a realidade de muitos seres humanos em 2021.
Passado mais de um ano da pandemia, todos conhecemos os efeitos nocivos do confinamento na saúde mental e física: pessoas antes ativas se tornaram sedentárias, o consumo de álcool aumentou significativamente, a qualidade da alimentação caiu, o sono se tornou irregular, a incidência de doenças mentais cresceu e exames preventivos deixaram de ser feitos.
Pesquisa feita pelo Google apontou que entre mil brasileiros entrevistados, 35% pretendiam cuidar da saúde ao longo deste ano. Logo em seguida, com 26%, o brasileiro afirma que pretende emagrecer e fazer exercícios. A resposta é facilmente compreensível: “os ratinhos” estão exaustos.
Muitas pessoas deixaram de procurar assistência médica nos últimos meses. Por medo do vírus, abriram mão de exames e de consultas, sem entender que se expunham a outros males por falta de acompanhamento médico especializado. Segundo estudo publicado no Journal of the National Medical Association, 43% dos americanos não compareceram a consultas preventivas desde o inicio da pandemia. Exames para detecção de câncer de mama, cólon e cervical caíram em 66%. As consequências dessa imprudência começam a aparecer: estudos apontam que a expectativa de vida dos americanos caiu em um ano. Trata-se de um indício claro que mais pessoas estão morrendo por outras causas que não a Covid-19. Em vários países do mundo, o início da pandemia – e em paralelo a ela – muitas doenças encontraram espaço para aumento de incidência, como câncer, infarto do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais, por exemplo.
No Brasil não foi diferente. Com base em anos anteriores, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro divulgou número de óbitos acima do esperado, apenas a metade causada diretamente pela Covid-19. Outras milhares de pessoas morreram em casa, ou seja, fora de qualquer unidade de saúde e, provavelmente, sem assistência médica. Os dados apontam quase duas mil mortes classificadas com “causas mal definidas”, sem diagnóstico, outro possível indicador de desassistência médica.
Além disso, várias doenças aparecem entre os óbitos que não foram classificados como Covid-19. São diversas formas de câncer, doenças endócrinas nutricionais e metabólicas, entre as quais se incluem as diabetes e as doenças do aparelho circulatório, infartos e AVCs. Todas essas mortes em excesso podem ter sido causadas por falta de atendimento adequado no momento oportuno.
Com o passar dos meses, aprendemos a lidar com a Covid-19. Sabemos seus riscos de infecção, os agravantes, os cuidados com higiene que fazem a diferença. Médicos e enfermeiros tiveram tempo de conhecer mais a doença. Agora, então, é hora de promover saúde. Emagrecer, praticar exercícios, realizar consultas médicas e fazer exames periódicos é uma fórmula perfeita para uma vida com mais qualidade, uma “vacina natural” que previne de doenças crônicas perigosas. Saúde é prevenção. Saúde é o combustível da vida.