16 jul, 2021

Por Betania Tanure

Não repita seus erros, isso não seria inteligente

Até o início dos anos 1990, quando o Brasil intensificou a abertura de sua economia, era extraordinariamente grande a diferença de qualidade de gestão entre os executivos brasileiros e seus pares de países de primeiro mundo. Hoje a situação é outra, não temos nada a dever aos de fora. Afirmo com tranquilidade, aliás, que do ponto de vista de métodos de gestão estamos no mesmo nível – com a vantagem de termos desenvolvido, culturalmente e por força de sobrevivência, a flexibilidade, tão importante em um mundo em crise. As desvantagens deixamos para outra discussão.

É fato inegável que alguns problemas de gestão vão além das fronteiras. Um deles se refere ao período pós-operações de “merger and acquisition” (M&A). Em uma aula que dei no Insead há poucos dias para uma turma com executivos dos quatro cantos do mundo, o assunto estava presente.

Sei que isso não é novo. Trabalhamos com essas operações há décadas. Se certas dores que elas geram são inevitáveis, os resultados podem ser muito melhores. Como? Com outra abordagem às pessoas e à cultura. Embora a arquitetura financeira dessas operações esteja cada vez mais sofisticada, no que se refere ao lado “soft” da gestão os erros têm se repetido.

Na escolha da estratégia não pode faltar a consciência de que se deve começar com perguntas certas, como: qual o motivo da operação? Qual a capacidade de gestão da compradora para implementar uma mudança radical na adquirida? Quais os traços culturais mais adequados para a construção de valor atual e futura? Características culturais das empresas são compatíveis, pelo menos razoavelmente?

As respostas devem sustentar a escolha da estratégia de integração. Cabe aos executivos envolvidos dar voz tanto para as pessoas da empresa adquirida quanto para as da compradora.

Se você está no poder, deve conhecer, sem viés, a cultura da sua empresa. Isso mesmo, da sua empresa. Mais: deve estar atento a pontos cegos, ou não terá uma visão ampla e realista do entorno. E não adianta dizer que isso não acontece com você. Reconhecer os pontos cegos é fator-chave do sucesso de um M&A. Acredite, você os tem. Perceba que a posição de poder lhe permite usufruir muito pouco do diálogo verdadeiro. A “anturragem” do poder raramente é sincera!

Temos, em princípio, cinco possibilidades de integração: mescla, pluralidade, movimento reverso, transformação e assimilação. Uma vez consciente dos seus pontos cegos, seu sucesso dependerá da sua ação, coragem, da adoção do método correto e, obviamente, da sua competência em montar a equação certa desses elementos. Alerto que o principal deles é reflexo das relações de poder: “é meu, comprei, agora será do meu jeito”. Atenção: esse ponto cego é responsável em grande parte pelo fracasso nas integrações.

O mundo mudou. Se antes os problemas envolvidos nessas operações já eram de difícil solução, agora, no período pandêmico, as dificuldades são, potencialmente, maiores especialmente nas suas perspectivas antropológica e afetiva, uma vez que a dimensão econômico-financeira é mais conhecida e a sanitária também, mesmo que em menor escala.

A dimensão antropológica da crise pode ser fonte de oportunidades no sentido de que agora as pessoas estão mudando o jeito de trabalhar, de consumir, de viver. Esteja atento a isso. Também é maior hoje a abertura para a mudança de alguns traços da sua cultura original, desde que você capture as mudanças sociais em curso e conduza o processo, que não ocorrerá naturalmente.

Quanto à dimensão afetiva, ela pode se tornar um desafio ainda maior. As pessoas estão com os nervos à flor da pele, exaustas diante de temas que vão além do ambiente profissional, mas que rebatem nele. Não duvide: inclua o tema “crise afetiva” nos trabalhos de integração, que por si só já geram instabilidade, incertezas, satisfações mas também insatisfações. Cuide dessa dimensão que novamente está recheada de pontos cegos. Somente assim os resultados irão chegar ao que você e todos tanto querem e tanto merecem. E lembre-se: não repita seus erros, isso não seria inteligente!