03 fev, 2022

Por Betania Tanure

Assuma de vez que “there is no free lunch”

A colunista Betania Tanure escreve sobre a necessidade de cada um estar atento ao seu próprio comportamento e avaliar-se criticamente

Primeiro mês do ano! Hora de reforçar e pôr em prática os planos feitos na virada. A única forma de realizar isso, de não deixar os desejos se perderem, seus medos derrubarem mais um plano de final de ano é avançar com disciplina no seu processo de desenvolvimento, assumindo de vez que “there is no free lunch”.

Compreenda os seguintes conceitos: vida é trabalho e, do ponto de vista antropológico, trabalho é transformação da natureza, que por sua vez é o mundo dado, enquanto cultura é o mundo inventado. Toda transformação da natureza, quando tem intencionalidade, é feita pelo trabalho. O rio é natural, a usina hidrelétrica não. O animal ser humano é natural, o ser humano educado é uma invenção da cultura, embora também dele próprio, consciente de si. Trabalho, portanto, é condição de humanização. Deve ser compreendido em duas dimensões com relação mútua: a autodisciplina e o labor.

Autodisciplina é a capacidade do ser humano de dizer “não” a seus impulsos e (des)motivações. Como? Por meio de um controle racional que permita ponderar, integrar sua conduta, valores, sentimentos, seu projeto de vida e avaliar as consequências de seus atos. Não há atalhos que levem aos resultados esperados. Não existe “free lunch”, e toda tentativa de buscar atalhos pode acarretar trabalho dobrado.

São muitos os exemplos desse efeito, dos mais simples aos mais complexos. Na empresa, não se faz uma due dilligence completa, que inclua a cultura organizacional, pois isso envolveria tempo e custo. Ou será que não se acredita na relação entre cultura e construção de valor em uma aquisição? Outro caso: em processos de sucessão, não se conversa com clareza sobre o assunto para não gerar melindres entre os candidatos, mas deixa-se que cada um alimente a expectativa de que será escolhido. No final, é certo o alto custo do desengajamento dos não contemplados. Eu poderia citar ainda a prática de negócios escusos como forma de ficar bilionário, mas extrapolaria esta discussão, é caso de polícia. Vale um último exemplo, sobre as eleições presidenciais de 2022. O empresariado quer uma terceira via, desejo de 80% dos que responderam à nossa pesquisa. Muitos, porém, mantêm a posição de espectador e criticam, de forma assustada e infantil, o movimento de quem já está no jogo, com perícia e foco.

É necessário estar atento ao próprio comportamento. Avalie-se criticamente: você tem se dedicado ao trabalho de influenciar pessoas? Perceba que a segunda dimensão do “no free lunch”, o labor, a realização intencional, está relacionada à autodisciplina. É ingenuidade achar que, em um passe de mágica, desejos vão se realizar.

É preciso aceitar que não há “free lunch” – esse tema está sendo tratado em um livro que vamos lançar, Roberto Patrus e eu, no início do ano – e compreender que trabalho não é castigo, é condição necessária para transformar o mundo e a própria natureza humana, ou seja, humanizar-se.

Atenção, leitor: você conhece a organização que lidera, o país em que vive, e quanto maior é seu conhecimento, maior a sua responsabilidade. Mas fique atento: nem tudo na vida é trabalho ou controle. Trabalho é o meio de realização de valores eleitos pela pessoa, não pode ser um fim em si mesmo. Está a serviço da filosofia de vida que você escolhe ter. Compreenda, porém, que a colheita depende do esforço na semeadura. E por mais poderoso que você seja, não consegue fazer tudo sozinho. O trabalho está a serviço de um sonho maior, de um propósito: daí a sua força imensurável. Isso pode parecer filosófico, mas lembre-se de que toda boa filosofia é pragmática.

Pense nos seus sonhos neste ano que se inicia, na sua vida pessoal (saúde, afetos, desafetos), profissional (carreira, ciclos, realizações e frustrações), na sua vida como cidadão em um ano tão definidor para o Brasil, com as eleições. Invista sua energia de forma disciplinada, com competência e foco, de modo que ao final do ano não tenha motivo para se lamentar do que aconteceu em sua vida pessoal, em sua carreira nem de ter escolhido a pessoa errada para ser governante do seu, do nosso país. “There is no free lunch.”