16 mar, 2022

Por Betania Tanure

A responsabilidade é sua: líder e liderado!

A colunista Betania Tanure fala que é preciso encarar as mudanças de papéis e atitudes que vem acontecendo nas organizações

Abro este artigo propondo a você uma reflexão diferente sobre o papel do liderado. Ela se aplica a todos os níveis da hierarquia, não importa o chapéu que se use. Um presidente, por exemplo, tem dois chapéus: líder e liderado.

A maioria das teorias sobre liderança considera que quem dá o tom é o líder, e eu não discordo disso. Há, porém, um sério equívoco na interpretação desse tom por parte de muitos liderados. Refiro-me àqueles que, por verem o chefe como muito diretivo ou autoritário (mito ou realidade), se encolhem diante dele, abrem mão da sua responsabilidade como liderados e delegam para cima.

Concordo que “comunicação é o que o outro entende”. Mas a responsabilidade pelos filtros e lentes que determinam a interpretação de uma mensagem é de quem a recebe. Ocorre que o estilo de liderança caminha hoje para um modelo menos autoritário, e a introjeção dessa mudança pelos liderados não é rápida. Suas lentes já estão cristalizadas, leva um tempo para enxergar o novo, para acreditar que “é pra valer”. Pré-conceitos agem de modo a impedir a percepção, em tempo real, da mudança do outro.

Sob esses efeitos, ao ponderar sobre uma ideia o líder pode ser interpretado, ou tachado, como excessivamente diretivo. Ao enfatizar ou se mostrar entusiasmado com uma situação, pode ser considerado autoritário. E um contraponto dele sobre uma ideia apresentada pode ser entendido como rejeição a essa ideia.

Não nego a existência de líderes diretivos, autoritários ou incapazes de escutar os seus liderados. Afinal, o velho “comando e controle” ainda vive. Já discuti isso nesta coluna e ressalto: não tenha dúvida de que os dias desses líderes estão contados! No entanto, sem desprezar, de forma alguma, a responsabilidade do líder, reafirmo: é preciso reinterpretar comportamentos e atitudes. Liderados devem trazer para si a responsabilidade pela mudança no convívio com os “superiores”. Essa responsabilidade é totalmente sua, liderado! Em um momento em que a pandemia acelerou as mudanças sociais, essa é uma questão que explode à nossa frente e se relaciona à atual tendência, ainda silenciosa, de maior foco nas necessidades individuais.

A pandemia trouxe o homeoffice de forma acelerada, com os highlights e lowlights. E uma das consequências de estar em casa, de estar e se sentir ameaçado pelo invisível vírus, é que as pessoas se concentram nas necessidades individuais, na família nuclear. Esse “isolamento” e o individualismo ampliado confrontam a base cultural brasileira, que é relacional, de proximidade, de grupos sociais. O foco no cuidar de si, no que interessa ao indivíduo, aumenta de forma infantil a terceirização das responsabilidades.

O prazer, ou a dor, do indivíduo dificulta o olhar para o outro e as suas mudanças, entre elas a do estilo de liderança. É mais confortável reclamar do jeito do chefe do que assumir responsabilidades.

Esse conflito afeta o humor das pessoas, afeta os afetos, a cultura e o sentimento de pertencimento nas empresas. Com isso, o turnover aumenta, pessoas resolvem “inesperadamente” mudar de vida, outras adoecem, e não é só o vírus que as ameaça. Elas adoecem diante das limitações de aconchego, de abraços. O conforto de não enfrentar o trânsito para se deslocar (benefício individual imediato) é confrontado com o benefício das relações, com o cultivo da cultura e da aprendizagem tácita. O “abraço” determina o sucesso dos laços e portanto estabiliza ou desestabiliza os afetos, a saúde mental  e a cultura da organização. As relações líder-liderado acompanham esse movimento e também, em boa medida, adoecem.

Falo das sorrateiras doenças da alma. Fundamental lembrar que elas são mais complexas, na maioria das vezes, do que as do corpo, e os líderes não foram treinados nem  desenvolvidos para lidar com isso.

Em síntese: encarar o estilo autoritário e seus efeitos, cultivar o sentimento do abraço e da cultura, afastar o individualismo e as doenças da alma é o desafio que você tem à frente.  Avante!

Imagem: pexels.com