29 jun, 2021

Por Angela Vega

Reflexões sobre Mudanças Organizacionais

Organizações não mudam. Afirmação provocante, não? Pesquisas de diferentes consultorias (McKinsey, Deloitte e IBM) apontam que em torno de 70% das mudanças falham em atingir seus objetivos.

Um detalhe simples: pensar em mudanças é pensar em pessoas. As organizações somente existem quando um conjunto de pessoas traz vida e movimento a elas. Está nas mãos das pessoas fazerem as mudanças acontecerem e serem bem-sucedidas. De nada adiantam planos complexos e planejamento impecável se as pessoas, em suas dimensões mente, coração e vontade, não forem consideradas e envolvidas. O pensamento linear, no qual fomos criados, pode nos leva a pensar que a mudança acontece de forma sequencial; e a fazer simplificações, desconsiderando a complexidade das relações existente em um processo de transformação.

Conheci a Dra. Britt Andreatta, autora e neurocientista, em um evento da Association for Talent Development (ATD) em março de 2021. Segundo ela, a neurociência pode ser uma aliada nos processos de transformação, ao considerarmos quatro estruturas cerebrais que estão diretamente relacionadas à forma como as pessoas lidam com as mudanças: a amígdala, o córtex entorrinal, os gânglios basais e a habênula.

A amígdala é considerada o centro da sobrevivência, sendo responsável pelas nossas respostas ao medo. Em uma mudança, as primeiras emoções naturais que surgem são o choque, a negação e o medo. A amígdala é despertada pela sensação do perigo e do desconhecido. Que mudança é essa? O que acontecerá comigo, com meu trabalho? Sobreviverei?

O córtex entorrinal atua como nosso “GPS” (a bússola) na orientação espacial e social, e mantendo os mapas mentais atualizados. Em uma situação de mudança, podemos perder referências e, por isso, nos sentirmos “perdidos”, sem saber como nos posicionarmos. Em que área vou trabalhar? O que preciso fazer? Como vou fazer? Com quem vou interagir?

Os gânglios basais são a sede dos hábitos. O cérebro transforma os comportamentos repetidos em hábitos, para economizar energia. Aqueles que aprenderam a dirigir, podem se lembrar de como precisavam pensar a cada ação e, com o passar do tempo, as funções foram sendo incorporadas e realizadas de forma automática. Já tiveram a experiência de chegar dirigindo a um destino, sem lembrar quais ações foram realizadas? Paramos em quantos sinais (semáforos, sinaleiras)? Usamos o freio em algum momento? Giramos o volante para fazer uma curva? Movimentamos os pedais?

Além do processo de dirigir, que é um exemplo de aprendizado relacionado a procedimentos que vão sendo automatizados; os seguintes processos também são mediados pelos gânglios basais: regulação e controle do movimento; atividades e movimentos relacionados ao planejamento e processos motivacionais e emocionais. Nas mudanças, as alterações de comportamentos costumam gerar estresse se não forem bem trabalhadas. Quais comportamentos precisarei mudar?

Por último, temos a habênula, considerada o centro das nossas decepções, e na qual são processados os sentimentos de frustração ou aborrecimento por não conseguir algo ou por cometer erros. Ora, em um processo de mudança, a percepção de fracasso ou da possibilidade de falhas é aumentada.

Desta forma, incluir na gestão da mudança, ações que atuem sobre essas estruturas, principalmente sobre o medo (amígdala), o GPS (córtex entorrinal), os hábitos (gânglios basais) e o fracasso (habênula), aumentará a probabilidade de sucesso.

Desenhar um conjunto de ações direcionadas à segurança psicológica pode atuar para “tranquilizar” essas estruturas e os seres humanos que as possuem.

Não por acaso, nesses tempos de pandemia, com a grande quantidade de mudanças que estamos vivendo, o tema segurança psicológica vem merecendo destaque. Podemos citar como referências mais recentes os achados do projeto Aristóteles (Google) e a palestra de Amy Edmondson, professora e pesquisadora de Harvard, no evento TED Talk.

Edgar Schein já havia escrito sobre a importância da segurança emocional em um artigo nos anos 1990, no qual tratava de uma aplicação do modelo clássico de mudança de Kurt Lewin ao processo de aprendizagem. Em suas palavras, “a verdadeira arte da gestão da mudança reside nos vários tipos de táticas que os agentes de mudança empregam para criar segurança psicológica. Por exemplo, realizar trabalhos em grupo; criar sistemas paralelos que permitam algum alívio no dia a dia das pressões do trabalho; fornecer espaços de prática em que os erros sejam aceitos, ao invés de temidos; oferecer visões positivas para encorajar os aprendizes; dividir o processo de aprendizagem em etapas gerenciáveis; fornecer ajuda e coaching; todas essas táticas cumprem a função de reduzir a ansiedade e, assim, criar motivação genuína para aprender e mudar.”

Recomendo algumas outras práticas que podem contribuir para a eficiência e eficácia do processo de mudança:

1.  Colocar as pessoas no centro da mudança, efetivamente, com voz e vez, criando espaços e canais para que suas opiniões, dúvidas e incertezas possam ser expressas.

2. Criar uma visão de rede de apoio para que as pessoas saibam que não estão vivendo a mudança sozinhas.

3.  Desenvolver nos líderes o entendimento das conexões da mudança proposta com o alinhamento organizacional (propósito, visão e valores) para que, ao divulgar a mudança eles possam contribuir para alinhar o GPS (córtex entorrinal) das pessoas nas equipes.

4.  Organizar jornadas de aprendizagem (teoria U) para que as áreas coordenadores da gestão da mudança possam “mergulhar” na realidade das pessoas que passarão pelas transformações, desenvolvendo compreensão por meio da empatia.

5.  Escolher indicadores simples que possam sinalizar se a mudança está acontecendo e permitir acompanhar seu processo. Pode ser uma pesquisa online por meio de Survey Monkey, Google Forms, Microsoft Forms ou outro.

6.  Exercitar cuidado e compaixão com as pessoas que constroem a organização no dia a dia. Suspender o pensamento de que elas são resistentes à mudança. Como já disse Peter Senge, “as pessoas não resistem a mudanças; elas resistem a ser mudadas.”

Como está a qualidade das mudanças nas quais você está envolvido/a? Já usou alguma dessas práticas?

 

Referências complementares: