30 maio, 2022
Por Betania Tanure
Pleno equilíbrio entre vida pessoal e trabalho não existe
Para a colunista Betania Tanure, executivos podem buscar uma razoável estabilidade, mas precisam deixar de fantasiar que é possível conciliar tudo
Quantas vezes, ao apreciar a apresentação musical de uma boa orquestra, ou mesmo de uma boa banda de jazz, que tem lógica diferente, você a comparou às atividades de liderança metaforicamente? Em tempos estáveis e com baixo nível de incerteza, pode ser uma boa metáfora, ao nos remeter a algo bem organizado, sem “ruídos”, interferências externas e harmônico nos movimentos, o que pressupõe harmonia nas relações.
Teoricamente, podemos afirmar que há traços comuns entre o bom e antigo planejamento estratégico e uma obra musical: a execução coordenada, sem imprevistos cotidianos, sem sobressaltos frequentes do “maestro”, dos músicos, do entorno.
Essa simbologia estimula e faz parte de alguns mitos cantados em prosa e verso, em boa parte por acadêmicos ou consultores (alguns deles famosos). Além de não ajudar, mitos podem até causar sofrimento aos executivos, que se veem frequentemente interrompidos, em meio à correria e à fragmentada rotina das situações sobre as quais eles decidem e agem.
Enquanto isso, proliferam em redes sociais fotos que expressam uma felicidade inatingível, em lugares paradisíacos. Como pressupõe tempo para a vida pessoal, isso gera o confronto com a realidade da vida profissional, aumentando a sensação de incompetência desses indivíduos.
Harmonia e calma nas relações? Difícil! Deveríamos falar de clareza, de transparência “cristalina”, de busca de harmonia, o que significa competência na administração dos naturais conflitos existentes nas boas relações. Essa harmonia e a competente administração dos conflitos, porém, está longe, muito longe, de existir na vida real. É preciso avançar na dinâmica entre líder e liderado e, mais do que isso, nas relações laterais. Hoje, o movimento de rede precisa ser fortalecido.
“Por que só eu não consigo terminar meu dia com a sensação de ter concluído meu trabalho e de ter feito o que havia planejado?” Acorde e perceba: assim é a dinâmica das organizações, especialmente em tempos de profunda incerteza como o atual.
Ao constatar isso, alguns ficam aliviados, outros se irritam, mas essa é a realidade.
Correndo o risco de uma nova metáfora, afirmo: esteja certo de que os mares revoltos, os ventos inesperados e o adoecimento da tripulação, também nauseada pelo forte balanço das águas ou por fatores fundamentalmente individuais e familiares, são motivos de frequente interrupção da execução do planejamento que o timoneiro tinha no momento em que zarpou. Muitos timoneiros não estão acostumados a lidar com as náuseas fortes e frequentes da tripulação. Agora eles se veem na condição de ter de lidar com angústia, depressão, sanidade mental de seus liderados e de si próprio. Um tremendo desafio.
Recentemente, durante um workshop que realizamos, o presidente de uma empresa cliente, uma grande companhia, afirmou: “Eu não fui treinado para isso (depressão de seus liderados…): não sei o que fazer”.
Considerando os pontos acima e nessas condições, há muito a fazer, e aqui escolho três alertas:
. Compreenda que é preciso organizar-se minimamente, mas só minimamente. Não exagere, pois os ventos vão mudar, o planejado dificilmente irá acontecer. Você será interrompido, e não sofra com isso. Seja flexível, mas deixe clara a essência da sua empresa. Você usará essa essência como grade decisória, portanto ela precisa estar clara. Raramente é o que está na parede das empresas como missão (ou propósito), visão e valores. Exige técnica e arte.
Nesse movimento, encontre o razoável equilíbrio entre a sua vida pessoal e a profissional. Mas saiba que o pleno equilíbrio não existe. Deixe de fantasia, que só faz sofrer.
Isso considerado, cultive a certeza de que o seu foco é a ação e você tomará decisões a partir de análises sofisticadas, mas com a intuição, pois os dados serão incompletos, sempre. A dinâmica da carreira executiva não é a de um maestro com um conjunto de músicos em sala típica de uma maravilhosa orquestra sinfônica. E caso você pense o contrário, caso acredite que este é, sim, o ambiente que deseja, talvez a sua melhor carreira não seja a de executivo. Então, mude de barco, mude de função e boa viagem!
E para você que continua na carreira executiva, menos sofrimento e ótima viagem!
Imagem: Pexels.com