Mudanças: pequenas e grandes mortes

Mudanças: pequenas e grandes mortes

Participei recentemente de um evento, o que não é novidade para os que me conhecem. Estou sempre em busca de novos conhecimentos ou de aprofundar os existentes. O tema foi recebido com estranheza e espanto por alguns: a morte. O título do evento em latim, Ars Moriendi, que pode ser traduzido por A Arte de Morrer, dizia respeito a um texto da Idade Média (século XIV) chamado Livro Cristão dos Mortos. Era um retiro de silêncio e meditação, conduzido por Jean-Yves Leloup.

Quando falamos em morte, pensamos na derradeira, inexorável para a qual caminhamos e que será a maior mudança que acontecerá em nossas vidas. Dizia a placa na porta do cemitério do documentário com o mesmo nome: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”.

Podemos também pensar nas “mortes” diárias que vivemos. Quando nossos contextos mudam. Quando relacionamentos se rompem. Quando perdemos um ente querido. Quando deixamos a empresa após a aposentadoria. Quando somos despedidos. Quando nos desidentificamos com nossa autoimagem. Mudanças, perdas, mortes.

E para cada morte dessas é importante vivenciar o luto. Fazer o trabalho do luto. Qual trabalho precisamos fazer para aceitar o inaceitável? nos perguntava Jean-Yves.

Foi também comentado que, em Genebra, na Suíça, ocorre o maior número de suicídios de aposentados. Provavelmente ocasionados pelo fato de não terem vivido o luto da transição pela perda da identidade que tinham com seus locais de trabalho, com suas empresas.

O trabalho do luto implica em aceitar que o passado é passado. Não quer dizer que vamos esquecer. Enquanto vivemos no passado, estamos impedidos de viver o presente. E o luto não acontece por si só. Demanda de nós um envolvimento e um mergulho.

Se escolhermos viver o trabalho do luto para essas “mortes” diárias, para as mudanças que acontecem em nossas vidas, certamente sairemos interiormente fortalecidos.

Para o trabalho do luto, podemos reconhecer onde estamos, por meio dos sete estágios identificados pela médica Elisabeth Kübler-Ross, em sua vasta experiência acompanhando pessoas com doenças terminais, que são os seguintes:

1. Negação – a não aceitação do que está acontecendo;

2. Culpa – busca de culpados ou de culpar-se a si mesmo pelo que aconteceu;

3. Revolta e Raiva – expressão de sentimentos pelo fato acontecido;

4. Barganha. Promessas – prometer algo se a situação mudar, melhorar;

5. Depressão – momentos de grande solidão, vivendo em um passado idealizado;

6. Aceitação – aceitar que o passado passou.

7. Reconstrução – atitude de atenção e presença. Aceitar que a pessoa ou a situação não faz mais parte do nosso presente. Voltamos a ser nós mesmos, retomamos nosso lugar na sociedade com mais lucidez e maturidade.

Considerando esses estágios, podemos perceber que o trabalho do luto precisa de tempo.

E você? Qual morte está vivendo em sua vida? Em que estágio, você se percebe?

Para saber mais:

Além da luz e da sombra: sobre o viver, o morrer e o ser – Jean-Yves Leloup – Ed. Vozes

A morte é um dia que vale a pena viver – Ana Claudia Quintana Arantes – Ed. Casa da Palavra

A Morte: um amanhecer – Elisabeth Kübler-Ross – Ed. Pensamento

19 Comments

  1. Minha amiga, respondendo a sua pergunta, estou na fase da reconstrução. Não só por conta de mudanças externas impostas, mas sobretudo por mudanças internas escolhidas.
    Na mesma linha de suas reflexões, acabei de ler o livro Amadurecer Luminoso, que nos apresenta o que fazer para libertarmos do peso do corpo fisico no processo de finitude desta vida. Recomendo !!

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    • Agradeço por seu comentário e por compartilhar! Bom caminho!!!

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  2. Angela, que tema importante vc abordou. Ontem estava pensando sobre estas perdas que temos, como o rompimento de um casamento, de uma aposentadoria ou a perda de um parente. Até mesmo incluir neste tema um roubo de um bem…! Freud escreveu um importante artigo sobre isto. Chama-se de “Luto e Melancolia. Recomendo incluir nas suas leituras. E tem algo mais que pode ser incorporado à este tema que é o que Lacan chama de “segunda morte”. Se te interessar, poderemos conversar sobre isto. Beijo carinhoso

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    • Agradeço, Gilberto! Vou buscar as referências e marcar uma conversa com vc!

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  3. Parabenizo a autora Angela Vega, por sempre buscar se aprimorar em sua formação e, ao mesmo tempo, partilhar com muitos o que capturou com seu olhar. Em especial sobre o texto que aborda a morte, ótimos paralelos criados, que além de levar a todos a reflexão, reforca a importância de viver o presente, pois é nele que a vida acontece. O passado nos serve de referências e lembranças …o futuro poderá existir ou não , mas o presente é uma realidade, que precisa ser cultivada e vivenciada em sua totalidade. Grata pelo texto . Abraços

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    • Gratidão pelo comentário, Solange! O presente é nosso presente!!!

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  4. Querida, tema super pertinente e apropriado para o momento! Uma das vivências mais marcantes no Caminho de Santiago é que as despedidas podem ser muito felizes quando há um respeito e amor sincero pelos ciclos da vida. Que possamos vivenciar todas as etapas dos ciclos da vida e das mudanças inerentes à ela com amor e devoção que elas merecem.
    Agradeço por compartilhar sua vivência e reflexões.

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    • Isso mesmo, Simone! No Caminho, a cada dia, um novo dia. Boas caminhadas!!!

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  5. Angela
    Achei profundamente tocante o post. Acredito que para dominar a arte de viver é necessário também dominar a arte de morrer e de perder, como você menciona. Muito obrigado

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    • A gratidão é minha por sua leitura e comentários!

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  6. Que legal…adorei Angela. Obrigado por compartilhar! Por aqui o luto está consciente…bem aceito e já na fase da reconstrução. É tão bom quando já temos um certo amadurecimento e sabemos que as pequenas mortes fazem parte da vida. Um grande beijo pra vc!

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    • Boas notícias, amigo Carlos!!!

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  7. Obrigada, querida Angela, por compartilhar seus pensamentos neste assunto relevante!
    Me fez lembrar de um festival no Nex, quando inaugurou no Rio, e ofereceu um ciclo de palestras. Havia 3 palestras acontecendo simultaneamente e me chamou atenção que a sala mais lotada, com gente de pé, uma nas portas e outras tentando escutar de fora, era sobre como lidar com a morte. Não me lembro o nome, mas era de uma médica que trabalha com doentes terminais e cuidados paliativos. Ela é do School of Life – que sempre tem esses temas interessantes! Deixo este vídeo aqui para instigá-la ainda mais no tema:
    https://www.youtube.com/watch?v=nUtJWfKHdSU

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    • Oi Ana! A médica a que vc se refere foi a que citei no post, Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes. Agradeço pelo video!

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  8. Querida amiga
    Vc é sempre uma fonte de inspiração para mim.
    Em nossa empresa temos tido muitas oportunidades/necessidades de trabalharmos o luto.
    A consciência do processo me faz crer no crescimento que termos ao final.
    Bjs de parabéns

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    • Amigo Vilhena, suas palavras e ações me inspiram!!!

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  9. Culpar-se a si mesmo? Mais fácil ao outro. Amei seu texto, minha amiga querida. Muito proveitoso perceber por onde ando. Já achando que tinha superado muitas “mortes”, de repente percebo o quanto ainda tenho que caminhar. Mas com uma palavrinha fundamental servindo como bengala: esperança. Esperança de cura. Esperança de reconstrução. Esperança de crescimento. Obrigada pela partilha.

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    • Amiga Cláudia, sigamos caminhando… às vezes mais rápido, às vezes mais devagar… com uma certeza: sempre em frente!

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  10. Amiga Cláudia, sigamos caminhando… às vezes mais rápido, às vezes mais devagar… com uma certeza: sempre em frente!

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