Cecília Meireles e uma homenagem às mulheres

Cecília Meireles e uma homenagem às mulheres

Incentivada a escrever um post sobre o Dia Internacional da Mulher, lembrei do estudo que fiz sobre a biografia de Cecília Meireles para o trabalho de conclusão da Formação Profissional em Aconselhamento Biográfico.

Quando ouvimos o nome de Cecília, nos vem à mente a poeta. E era assim que ela preferia ser chamada. Não de poetisa, que parecia algo menor. Ao longo dos 63 anos que viveu (07/11/1901 – 09/11/1964), Cecília viveu intensamente.

No estudo, tive o prazer e a oportunidade de aprofundar meu conhecimento sobre esta mulher, avançada em seu tempo e multifacetada em seus diversos papéis (cronista e contista, poeta, compositora, educadora, professora, pesquisadora, jornalista, viajante, tradutora, pintora, desenhista, folclorista, conferencista, neta, mãe e esposa) que foi Cecília Meireles. Era ao mesmo tempo, carioca e internacional, seus poemas foram traduzidos para o espanhol, francês, inglês, alemão, húngaro, hindu e urdu. Dominava o francês, inglês, espanhol, italiano, alemão; grego e latim; hebraico e sânscrito. Sua poesia foi musicada por Francisco Mignone, Lamartine Babo, Camargo Guarnieri e Fagner.

Viveu momentos de tristeza e alegria, foi censurada e preterida, amada e odiada. Aparentemente, estava sempre de bom humor. Tenho a impressão de que a poesia era seu laboratório alquímico, onde processava suas emoções mais profundas e cuidava de seu inconsciente, tendo produzido essências preciosas.

Orfã na tenra infância, seu pai faleceu 3 meses antes de seu nascimento e sua mãe, 3 anos depois. Teve 3 irmãos que haviam morrido antes do seu nascimento. Foi criada pela avó açoriana. Disse Cecília: “Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área da minha vida.”. Escreveu seu primeiro verso aos 9 anos e aos 16 publicava o primeiro livro.

Nos anos 30, assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação cujo movimento apresentava uma concepção avançada a respeito da educação, consagrando o método científico aplicado ao enfrentamento dos problemas educacionais e reivindicava uma ação mais objetiva do Estado, que deveria proporcionar a todos uma escola pública, laica, gratuita, obrigatória, contestando a educação como privilégio de classe. Algo mais atual? Na mesma época, escreve no jornal Diário de Notícias, sobre educação, apresentando suas opiniões e sua visão crítica sobre a sociedade, valendo-se de sua neutralidade pois não era nem educadora e nem política, era poeta. Naquele momento, deu sua contribuição para o movimento de modernização da educação brasileira. Em seus comentários jornalísticos, Cecília era combativa e ao defender suas ideias usava de ironia e bom humor, com sutileza e por vezes, mordacidade.

Criou a primeira biblioteca infantil onde era o Pavilhão Mourisco, em Botafogo, Rio de Janeiro, a qual foi concebida como um centro de cultura infantil e onde eram desenvolvidas atividades não somente de biblioteca, como também artísticas e musicais, com sala de leitura, sala de música e de cinema. O prédio tinha livros, jogos, coleções, discos e filmes. Em datas especiais, o Centro imprimia folhetos com poemas, textos, fotos e desenhos, para serem distribuídos às crianças. Foi fechada em 1937, sob a acusação de que o livro As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, encontrada em seu acervo, possuía “conotações comunistas” e suas ideias eram perniciosas ao público infantil.

Aos 34 anos, precisou lidar com o suicídio do primeiro marido, passando a criar sozinha as três filhas (12, 11 e 10 anos), tendo que sustentá-las e, naquele momento, encarou dificuldades financeiras.

Com o livro Viagem, em 1938, Cecília foi a primeira mulher premiada pela Academia Brasileira de Letras. Depois de Viagem, vieram muitos outros livros (Morena Pena de Amor, Vaga Música, Retrato Natural, Mar Absoluto…).

Em 1940, casa-se novamente.

Como viajante, esteve em Portugal, México, Estados Unidos, fazendo conferências e divulgando a literatura, a educação e o folclore brasileiros. Viajou também à Itália, Holanda, Argentina, Uruguai, Bélgica, França, Açores, Israel, Grécia e Porto Rico. Sobre as viagens, disse Cecília: “Cada lugar aonde chego é uma surpresa e uma maneira diferente de ver os homens e coisas. Viajar para mim nunca foi turismo. Jamais tirei fotografia de país exótico. Viagem é alongamento de horizonte humano.”

Em 1952, Cecília viaja para a Índia, como a única representante da América Latina a ser convidada a participar de um seminário internacional sobre as ideias de Gandhi para lidar com a guerra. Como única delegada oficial mulher, fez parte de um seleto grupo de nove pessoas que incluíam prêmios Nobel da Paz e professores do Collège de France. Naquela ocasião, Cecília recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Nova Délhi.
No livro O Romanceiro da Inconfidência, publicado em 1953, escreve a famosa frase: “Liberdade – essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda! ”

Em setembro de 1964, a Academia Brasileira de Letras ABL atribui a Cecília Meireles o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra, tendo sido a primeira mulher a receber essa láurea. Em sua produção constam 1500 poemas, 30 livros (12 póstumos), cerca de 2.600 crônicas (um terço reunido em livros), mais de 50 estudos e conferências, centenas de cartas, peças de teatro, aquarelas.

E, nesta semana do Dia Internacional da Mulher, trazendo um pouco da vida de Cecília Meireles, presto minha homenagem a ela e a todas as mulheres que, em seus múltiplos papéis, enriquecem as suas vidas e as vidas dos que convivem com elas.

Biografia

Escreverás meu nome com todas as letras,
com todas as datas
— e não serei eu.

Repetirás o que me ouviste
o que leste de mim e mostrarás meu retrato
— e nada disso serei eu.

Dirás coisas imaginárias,
Invenções sutis, engenhosas teorias,
— e continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade,
De muitos instantes mínimos,
— isso serei eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,
Aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente.
— como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias
transparentes e opacos, segundo o giro da luz
— nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,
Leves e livres como a cascata pelas pedras.
— Que mortal nos poderia prender?

(Dispersos, Cecília de Bolso, p. 172 – escrito em 1957)

3 Comments

  1. Parabéns querida. Muito valioso. As ideias são muito atuais. Ela foi além do tempo, era maior que suas ideias. Muito obrigada. Bjs

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  2. Angela, você é poesia!
    Obrigada por compartilhar este texto e a riqueza que ele traz.

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  3. Querida, este texto é encantador e inspirador.
    Um beijo e obrigada

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