A colunista Betania Tanure diz que, nesse momento de crise, a liderança precisa atentar-se às emoções dos funcionários e valorizar os comportamentos colaborativos que surgirem.
Vivemos hoje um momento absolutamente intenso, que afeta o nosso corpo, nossa alma e impõe importantes efeitos sobre todos nós, como indivíduos, como organizações e como sociedade.
A dor na alma começa com os medos que permeiam este momento: de contrair a doença, de que pessoas queridas se tornem soropositivas, de morrer, lastreando as estatísticas, de perder o emprego e o poder, de a empresa se desmanchar em nossas mãos. Soma-se a esses sentimentos um tipo de incerteza que dói de forma difusa: como essa situação vai evoluir? Afinal, quanto tempo isso vai durar?
Nós que cuidamos da saúde das empresas temos nos deparado com dores organizacionais e individuais geradas não somente pelo medo, como também pela mudança das rotinas de trabalho, pelo aumento do número de horas trabalhadas (ninguém achava isso possível!), pela necessidade de tornar-se, “na marra”, mais digital, de mudar os processos de trabalho e a lógica do negócio, pelos inesperados problemas de caixa – e pela mudança de rotina em casa, com os filhos, com os pais, com os parceiros afetivos.
Os problemas são complexos, os paradoxos são muitos. E qual o papel da liderança nesse ambiente de incertezas? Primeiro: não tente abafar os sentimentos negativos de seus liderados nem, muito menos, negar a existência desses sentimentos. É preciso admitir que são reais, que você, como líder, os têm experimentado, ou que ainda está na negação. Segundo: garanta que o cliente seja atendido e a operação da empresa continue.
O papel da liderança é sempre mudar o fluxo natural das coisas: deve criar a ambiência para que seus liderados tenham os estímulos corretos, acolher as pessoas para abreviar os momentos de medo e reduzir a ansiedade e as angústias. Se é inevitável o mergulho nesses sentimentos, os líderes devem saber resgatar nos liderados, como indivíduos, como time, como ordem econômica e social, a esperança. Devem valorizar comportamentos emergentes nas pessoas, como colaboração, autonomia, diminuição dos silos, garra, simplicidade e orgulho de pertencer às organizações que se revelam responsáveis. E mais: com inteligência e método, dedicar-se a capturar os comportamentos bacanas que surgiram durante a crise.
É preciso admitir a profundidade desta crise e tomar as decisões objetivas, azedas mas necessárias, sem deixar de lado as ações doces, de revitalização, de apoio e de acolhimento. A minha palavra para isso é “agridoce”.
O doce está na esperança do aprendizado, na escuta genuína das dúvidas e opiniões sobre as rotas que se deve tomar na empresa e as que são indispensáveis também na família, na reordenação das relações organizacionais e sociais. As relações ficaram agora à distância, mas estão mais “próximas”, afinal, a comunicação na telinha é diferente: sem trégua! E, nesse sentido, são doces o estímulo à cooperação, a autonomia e especialmente à convicção de que o outro é capaz, você é capaz!
No caminho agridoce você pode se tornar um dirigente estadista, aquele cujo olhar vai muito além do seu bem-estar e dos resultados da empresa. Essa mudança é mandatória. Anos atrás, a proporção desses dirigentes no Brasil era de 2%, conforme artigo que publiquei na Harvard Business Review em 2013. Pesquisa mais recente que fizemos mostrou que eles representam hoje 5% dos nossos executivos. São esses dirigentes estadistas e as empresas estadistas que irão sobreviver, irão ser fortes e corresponder às expectativas de uma nova ordem. O país, e o mundo, precisam cada vez mais de indivíduos estadistas, de equipes estadistas, de empresas estadistas e, vale dizer, de políticos e representantes estadistas nos três poderes.
Fonte: Valor Econômico abril 2020