Não vai ter jeito, você terá mesmo que mudar

Não vai ter jeito, você terá mesmo que mudar

Nesta edição, não quero falar da crise mundial, sanitária ou econômica. Meu tema é a crise antropológica, o jeito de viver, trabalhar, consumir, de ter e de ser. Quero falar de como fazemos o Brasil, o nosso Brasil.

Em certo momento de nossa história, ligamos o piloto automático e fomos em frente, produzindo, ganhando (ou perdendo) dinheiro, colecionando sucessos, escondendo os insucessos, impelidos por prioridades trazidas pela tecnologia, pelo “outro”, e não por nós mesmos. Fechamos os olhos para os brutais efeitos disso no meio ambiente e na desigualdade social, que a atual crise escancarou. Os que me conhecem sabem que não sou pessimista. Ao contrário, minha vida é pautada por muita esperança. Mas neste momento, temos de admitir, estamos no limite de uma ambiência fragilmente “equilibrada” do ponto de vista social.

Adicionado a tudo isso, o nível de exaustão das pessoas pode ter atravessado a fronteira do razoável. Não debite tudo ao trabalho excessivo. Outras causas existem, como a toxicidade da “quarentena” para as relações afetivas ou sociais, o medo da doença e o excesso de notícias negativas nas mídias. Sem contar a necessidade frustrada de lazer, além da multiplicidade de opções de lives que já não se consegue assistir. O que fazer para sair do espaço problema e ir para o espaço solução? Comece respirando fundo e acelerando o passo para mudar o seu fluxo natural. Como? Nós, na BTA, criamos um modelo que se aplica ao nível individual, ao organizacional e ao social.

  1. Consciência. Este é o nível da sua racionalidade. Se você não compreendeu ainda que, como todos nós, precisa mudar, sua situação é muito grave. Passaram-se quatro meses e olhe à sua volta. Veja o que acontece com os que resistem à mudança, note quão rapidamente se perde espaço.
  2. Desejo. É a voz do coração. Reconheça os poderosos estímulos vindos de todos os lados. Quem não muda, morre. Isso vale para o indivíduo, as organizações e grupos sociais ou políticos. Outro estímulo, positivo e que vem de dentro, é a forte vontade de (se) reconstruir. Permita que ela mova você.
  3. Competência. Hoje, muitos dos conhecimentos e ferramentas que usávamos com sucesso perderam função e valor. Vivemos um risco duplo. Mas isso não nos dá a “licença poética” de nada saber ou de errar o tempo todo. O risco aqui é perder o rigor da análise e da preparação individual, sob o argumento, fraco porque só parcialmente verdadeiro, de que tudo é novo e é preciso experimentar. Não é bem assim. O desafio é estar aberto sem se deixar paralisar pelo medo ou fazer do risco uma justificativa para mau resultado.
  4. Simplesmente agir. Na implementação da mudança, da sua mudança, é fundamental o equilíbrio entre colaboração, protagonismo e accountability. Os dois primeiros traços se mostraram em alta em pesquisa que realizamos com 532 executivos, publicada no Valor: para 95% dos entrevistados a colaboração está em crescimento e para 70% o protagonismo também cresce. Esses traços merecem atenção, pois não serão incorporados naturalmente à cultura. Será preciso método. O fazer coletivo é um imperativo do negócio. Cuidado para que isso não contribua para desaparecer a accountability, característica frágil na cultura brasileira.

Não se esconda no coletivo. Não faça “de qualquer jeito” sob o argumento de que o ambiente é complexo ou é preciso ser ágil. Você tem, individualmente, seu espaço de ação e de conciliação, responsabilidade, profundidade de análise, agilidade, colaboração e accountability, estruturação responsável e flexibilidade para “pivotar” sempre que necessário. A sua mudança inclui conciliar o que antes parecia inconciliável!

 

 

Fonte: Valor

Evite confundir rigidez com rigor na gestão

Evite confundir rigidez com rigor na gestão

 

Você já percebeu que existe uma diferença sutil, de extrema importância, entre rigidez e rigor? Na grafia, a coincidência se reduz às três primeiras letras. Já no que diz respeito às práticas de gestão, e mesmo às nossas escolhas pessoais, o comportamento rígido e o rigoroso diferem completamente, assim como os efeitos, positivos ou negativos.

Corremos um risco enorme de confundir os significados dos dois termos e, assim, ter boas desculpas para não atuar com a disciplina necessária ao bom desempenho dos negócios, aos indispensáveis processos de transformação da cultura organizacional e às mudanças que precisamos realizar em nós mesmos.

Entre as principais situações que causam essa confusão, destaco duas. A primeira é quando o movimento de mudança gera medos, levando, muitas vezes, à uma oposição. Cria-se um clima de insegurança. A resistência cresce. Uma estratégia inconsciente de defesa leva as pessoas a fugirem do rigor nas ações de mudança, com a desculpa de que se trata da indesejada rigidez. A segunda é quando a flexibilidade é exaltada, gerando uma distorção muito comum: a indisciplina travestida de ações flexíveis. Decisões ou ações rigorosamente corretas são interpretadas como produto da inflexibilidade, um sinônimo de rigidez.

A palavra “rigidez” deriva do latim rigidus. É fortemente associada, nos bons dicionários de nosso idioma, ao estado de quem não cede nem à flexão, nem à pressão e não é maleável. Também é definida como alta resistência à mudança: imobilidade, intransigência ou austeridade. Na linguagem simbólica, encontramos termos negativos, como “rigidez de estátua” e “rigidez da morte”.

Morte? Imagino a sua expressão de surpresa. Afinal, ninguém quer essa rigidez na vida. Mas o rigor de que trato aqui relaciona-se à disciplina de fazer o certo, de forma consistente e correta. Em um processo de transformação, significa ter a coragem de não se esquivar do que é preciso fazer, mesmo que doa na própria carne, e manter o ritmo, sem se esconder atrás de desculpas. Significa não usar rotas de fuga, como quando se acusa um método de mudança de “rígido” (característica ruim por definição), nem usar o discurso do “quero fazer do meu jeito” para escamotear a resistência ou a real intenção de não mudar.

Proponho um breve exercício. Suponha que você tem um problema de saúde: uma dor do lado esquerdo do peito. Após os exames recomendados, vem o diagnóstico: trata-se de um sério problema cardiológico e o tratamento é feito por meio de cirurgia, com duração de no mínimo seis horas. Na avaliação de seus familiares, porém, o problema não é tão grave, é uma simples inflamação no braço esquerdo que pode ser resolvida com um procedimento que não tomaria metade desse tempo. Ademais, vocês têm alguns compromissos importantes agendados e a sua recuperação tem de ser rápida.

Em um caso desses, o que se espera de um bom e responsável médico? Que faça o que é correto, com a disciplina e o rigor necessários. Se ao final da discussão a opção seja a de não encarar as prováveis seis horas de cirurgia, é possível “matar o mensageiro” e mudar de médico.

É certo que em determinadas circunstâncias um procedimento mais breve pode ser a escolha correta, enquanto em outras significa postergação, talvez a ponto de nem mesmo uma cirurgia prolongada ser suficiente para a cura. Também é fundamental que a decisão seja pautada pelo rigor, e não pelo medo, nem pela exaltação da flexibilidade, que levariam a uma alternativa falsamente eficaz.

A despeito disso, no Brasil, boa parte das empresas e dos executivos prefere ignorar os excessos da flexibilidade, repetidamente justificados como se não existissem distorções. Todos sabemos que esse traço natural de nossa cultura é indiscutivelmente necessário em um mundo de múltiplas e profundas transformações como o de hoje. Mas e o rigor? Não nos enganemos: em qualquer processo de mudança, o traço flexibilidade terá seu potencial de alavanca se, e somente se, estiver calibrado com o rigor. Junto a disciplina, é o rigor que garante ritmo e velocidade contra as resistências naturais. Nesse momento é possível distinguir o que é correto na gestão do processo – o que gera desconforto mas não pode, nem deve, ser feito pela metade. Deve ser rigorosamente aplicado.

Nesse caminho, há que ter coragem para fazer frente ao poder. A necessidade é de não ceder em nome do conforto das relações, fazer o que é melhor para o “conjunto da obra”. Na contramão, a confusão entre rigidez e rigor afasta os executivos do seu melhor potencial de desempenho, afasta as empresas da realização mais efetiva dos processos de transformação, afasta você das mudanças necessárias na vida pessoal e profissional. A arte está em ter flexibilidade no que é possível e rigor no que é necessário.

Fonte: Jornal Valor

O tripé que vai fazer você crescer – ou não

O tripé que vai fazer você crescer – ou não

A colunista Betania Tanure afirma que os verdadeiros dirigentes na pandemia olham para o equilíbrio emocional, a produtividade dinâmica e a cultura do bem comum

O cenário atual traz em si, claramente, três desafios principais. O primeiro é o equilíbrio emocional. Em períodos de crise, os predicados emocionais tendem a se exacerbar, sejam positivos, como a solidariedade e o afeto, sejam negativos, como o egoísmo, a ansiedade e a angústia.

Hoje a maioria das pessoas está no seu limite emocional. São sintomas as reações de raiva desproporcionais aos fatos, as crises de choro, o grande sofrimento com as incertezas, a baixa qualidade do sono, o constante cansaço, os excessos na alimentação ou no uso de bebidas alcoólicas. Se nesse período de crise você conseguir se manter emocionalmente estável, seu caminho é promissor. Caso se sinta angustiado(a), irritadiço(a) ou vulnerável na maior parte do tempo, não se iniba, procure ajuda antes que a doença tome conta de você.

O segundo desafio, a produtividade, está intimamente relacionado ao primeiro. Nos últimos três meses da pandemia, apesar do choque inicial e do alto grau de estresse, a produtividade aumentou em grande parte das empresas, mesmo consideremos as diferenças setoriais. Aumentou porque as pessoas passaram a trabalhar sem trégua, a fazer com mais rapidez, parte delas à distância, o que faziam antes. Essa é a “produtividade estática”: fazer a mesma coisa mais rápido.

Tal aumento tem também outras fontes, mais nobres – e tomara que sustentáveis, como o ganho de autonomia, a redução de burocracias que por conveniência alguns apelidaram de “governança” e a ampliação do espaço para inovação, esta por absoluta necessidade. Trata-se da “produtividade dinâmica”, ou seja, da mudança da forma de fazer ou do que se faz.

Por fim, o aumento da produtividade também pode ser explicado biologicamente: na fase aguda do estresse, há um estímulo da área primitiva do cérebro que tem impacto sobre o cortisol e a adrenalina, o que gera uma reação de “luta” ou “fuga”. Considerando-se o perfil típico dos executivos, no primeiro momento a fuga não é uma reação esperada, mas a luta sim. E todos foram à luta, o que também aumentou a produtividade.

Só não se deve ignorar que, ao se tornar crônico, o estresse pode levar à exacerbação das emoções – e a consequências como a perda de produtividade. Se você nada fizer, vai acontecer. Afinal, trabalhar diante de um computador muitas horas, durante meses, tem impacto físico e emocional. Grande parte das pessoas em home office já não aguenta mais. Para os mais ricos, é difícil imaginar como é a limitação de espaço, a falta de um ambiente adequado, de uma rede que funcione na velocidade demandada, de uma cadeira ergonômica. E não raro há crianças dividindo esse espaço.

Nesse contexto, voltamos ao primeiro desafio: alguns têm maior dificuldade de viver com a família, o que é impublicável. Ademais, o convívio intenso pode fazer aflorar desequilíbrios que estavam, de alguma maneira, adormecidos.

O terceiro desafio deste momento é ser estadista, conceito que venho discutindo desde 2013, quando publicamos na Harvard Business Review uma pesquisa revelando a baixíssima presença dessa atitude nas empresas brasileiras. Não basta doar recursos. Deve-se incluir na dinâmica do modelo de negócio, da organização, no processo decisório, a cultura do bem comum. Dificílimo, vai muito além da doação de recursos.

Nesse cenário, os executivos que podem ser considerados verdadeiros dirigentes, estadistas, serão reconhecidos não mais pela competência de gerar resultados, que é pré-requisito; mas pela habilidade de se manter serenos em momentos de tensão, pelas suas atitudes estadistas e sua competência de incorporar esse traço à cultura de suas empresas. Muitos verão a sua cadeira e a sua importância diminuírem.

Enquanto isso, outros irão crescer.

Não se engane. Não deixe a arrogância típica de quem está no poder obnubilar a consciência sobre as suas emoções. Vá à luta para conhecer os seus pontos cegos. É hora de o ser humano, com suas emoções e propósito, se verdadeiro for, buscar o bem comum. E então, você vai diminuir ou aumentar de tamanho? Está nas suas mãos.

 

Fonte: Valor Econômico

Como liderar com a dor na alma e no corpo

Como liderar com a dor na alma e no corpo

A colunista Betania Tanure diz que, nesse momento de crise, a liderança precisa atentar-se às emoções dos funcionários e valorizar os comportamentos colaborativos que surgirem.

Vivemos hoje um momento absolutamente intenso, que afeta o nosso corpo, nossa alma e impõe importantes efeitos sobre todos nós, como indivíduos, como organizações e como sociedade.

A dor na alma começa com os medos que permeiam este momento: de contrair a doença, de que pessoas queridas se tornem soropositivas, de morrer, lastreando as estatísticas, de perder o emprego e o poder, de a empresa se desmanchar em nossas mãos. Soma-se a esses sentimentos um tipo de incerteza que dói de forma difusa: como essa situação vai evoluir? Afinal, quanto tempo isso vai durar?

Nós que cuidamos da saúde das empresas temos nos deparado com dores organizacionais e individuais geradas não somente pelo medo, como também pela mudança das rotinas de trabalho, pelo aumento do número de horas trabalhadas (ninguém achava isso possível!), pela necessidade de tornar-se, “na marra”, mais digital, de mudar os processos de trabalho e a lógica do negócio, pelos inesperados problemas de caixa – e pela mudança de rotina em casa, com os filhos, com os pais, com os parceiros afetivos.

Os problemas são complexos, os paradoxos são muitos. E qual o papel da liderança nesse ambiente de incertezas? Primeiro: não tente abafar os sentimentos negativos de seus liderados nem, muito menos, negar a existência desses sentimentos. É preciso admitir que são reais, que você, como líder, os têm experimentado, ou que ainda está na negação. Segundo: garanta que o cliente seja atendido e a operação da empresa continue.

O papel da liderança é sempre mudar o fluxo natural das coisas: deve criar a ambiência para que seus liderados tenham os estímulos corretos, acolher as pessoas para abreviar os momentos de medo e reduzir a ansiedade e as angústias. Se é inevitável o mergulho nesses sentimentos, os líderes devem saber resgatar nos liderados, como indivíduos, como time, como ordem econômica e social, a esperança. Devem valorizar comportamentos emergentes nas pessoas, como colaboração, autonomia, diminuição dos silos, garra, simplicidade e orgulho de pertencer às organizações que se revelam responsáveis. E mais: com inteligência e método, dedicar-se a capturar os comportamentos bacanas que surgiram durante a crise.

É preciso admitir a profundidade desta crise e tomar as decisões objetivas, azedas mas necessárias, sem deixar de lado as ações doces, de revitalização, de apoio e de acolhimento. A minha palavra para isso é “agridoce”.

O doce está na esperança do aprendizado, na escuta genuína das dúvidas e opiniões sobre as rotas que se deve tomar na empresa e as que são indispensáveis também na família, na reordenação das relações organizacionais e sociais. As relações ficaram agora à distância, mas estão mais “próximas”, afinal, a comunicação na telinha é diferente: sem trégua! E, nesse sentido, são doces o estímulo à cooperação, a autonomia e especialmente à convicção de que o outro é capaz, você é capaz!

No caminho agridoce você pode se tornar um dirigente estadista, aquele cujo olhar vai muito além do seu bem-estar e dos resultados da empresa. Essa mudança é mandatória. Anos atrás, a proporção desses dirigentes no Brasil era de 2%, conforme artigo que publiquei na Harvard Business Review em 2013. Pesquisa mais recente que fizemos mostrou que eles representam hoje 5% dos nossos executivos. São esses dirigentes estadistas e as empresas estadistas que irão sobreviver, irão ser fortes e corresponder às expectativas de uma nova ordem. O país, e o mundo, precisam cada vez mais de indivíduos estadistas, de equipes estadistas, de empresas estadistas e, vale dizer, de políticos e representantes estadistas nos três poderes.

 

Fonte: Valor Econômico abril 2020