Negritude e Branquitude: uma reflexão

Negritude e Branquitude: uma reflexão

Tempo de leitura: 4 min

Assumo minha branquitude, assim como todos os vieses cognitivos que me habitam, e falo a partir deles com minhas vivências e observações. Feito esse disclaimer (em português, aviso legal), fiquei impressionada com a leitura recente do livro “Pequeno Manual Antirracista”, escrito por Djamila Ribeiro, filósofa, professora e ativista, como ela se define. Recomendo a leitura.

No livro, a autora nos faz entrar em contato com o racismo estrutural e que, devido ao fato dele estar impregnado em nossas vidas, não podemos/devemos entrar em uma conversa, assumindo que não somos racistas. A branquitude, em oposição à negritude, vivemos em um contexto de privilégios, somente pela origem que temos. Pensando em generalizações, sou reticente a elas porque também me sinto excluída, quando ouço que “todos” os brasileiros possuem raízes negras, índias e são miscigenados. Sou brasileira, nascida no Rio de Janeiro, mas meus pais são espanhóis. Vieram para o Rio de Janeiro em 1960, se conheceram no navio de imigração, casaram e se estabeleceram aqui no Brasil. Se eles possuem miscigenação por conta das invasões árabes na Península Ibérica, não posso ter certeza. Tenho certeza de que a generalização não se aplica a mim. Da mesma forma, talvez outras pessoas, negras ou brancas, não tenham essa miscigenação… Falando de sangue. Já na cultura, diversos desses traços fazem parte do nosso dia a dia… O que faríamos sem a mandioca (aipim para alguns), cultivada inicialmente pelos indígenas? E os deliciosos pratos baseados na cultura africana (vatapá, caruru, bobó, acarajé)? E as palavras de origem indígena (caatinga, caipira, carioca, capenga, nhenhenhém) ou de origem africana (dengo, caçula, cafuné, quitanda, fubá, cachaça, muvuca) que estão completamente incorporadas ao nosso vocabulário?

Admitir que somos privilegiados, é o primeiro passo. Assisti a uma entrevista da empresária Monique Evelle, no evento HSM Expo Now. Ela citava a diferença de tratamento e de percepção que acontece quando uma pessoa negra sai de um carro, por exemplo, e começa a correr em uma rua… não se imagina que ela possa estar atrasado/a para um compromisso. Os brancos podemos correr, sem que a polícia nos persiga ou os olhares nos condenem (previamente). Outro ponto citado por ela, foi a inclusão da palavra “negro ou negra” quando nos referimos à pessoa. Dizer Monique Evelle, empresária negra, seria o equivalente a dizer Angela Vega, coach e palestrante branca. Esquisito, não? Pois é o que possivelmente fazemos e lemos sem nos darmos conta…

Penso ainda nas razões que nos fazem escolher como pessoas negras de destaque, ou referência, Oprah Winfrey (apresentadora americana), o casal Obama (ex-presidente americano e ex-primeira-dama) e Maya Angelou (poeta e ativista americana). Não estou desvalorizando as pessoas citadas, estou questionando por que não reforçamos ou escolhemos referências brasileiras. Uma das respostas é dada por Djamila quando ela fala do epistemicídio, isto é, o apagamento sistemático de produções e saberes produzidos por grupos oprimidos, conceito originalmente proposto pelo sociólogo português Boaventura Sousa Santos.

Em seu livro, Djamila nos traz diversas referências em vários campos: Abdias Nascimento (ator, diretor, dramaturgo), Ana Cláudia Lemos (socióloga, doutora em ciências sociais, pesquisadora sobre gênero, raça e lideranças femininas), Carla Akotirene (formada em serviço social, mestra e doutoranda em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo), Elisa Lucinda (poeta, jornalista, atriz e cantora), Conceição Evaristo (escritora, professora e ativista), Marcela Bonfim (economista e fotógrafa), Neusa Santos (psiquiatra, psicanalista e escritora) e tantas/os outras/os…

Trata-se de expandir nossa consciência, saltando para fora do aquário em que, vivendo cercados de água, passamos a não enxergá-la. Ficamos “cegos” para a realidade. Mesmo me considerando uma pessoa aberta e esclarecida, pude perceber vários pontos cegos.

Fica o convite para uma autorreflexão.

 

Referências:

Pequeno Manual Antirracista. Djamila Ribeiro. Companhia das Letras. 2019

https://www.geledes.org.br/poetas-negras-da-literatura-brasileira/

https://moniqueevelle.com.br/

 

Imagem: Image by Gerd Altmann from Pixabay

 

5 Comments

  1. Angela, ainda estou na metade do livro. Esse tema me toca profundamente. Obrigada pela reflexão! Quem sabe assim eu me empolgo a terminar a leitura?

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  2. Verdade, Angela, mesmo nos julgando “aberta” e “esclarecida”, sofro desse mal de pontos cegos. Muito bom parar para fazer uma autorreflexão. Obrigada!

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  3. Angela, muito boas suas considerações. É um assunto que, cada vez mais, precisamos estar acordado para ele. Uma grande escritora que conhecemos e convivemos, Ruth Guimarães, não foi reconhecida em vida, com certeza, um forte fator, foi sua negritude. Mulher, negra, nove filhos, romancista, pesquisadora do folclore brasileiro, tradutora… agora, ela está sendo reconhecida. No último sábado, saiu uma matéria de destaque na folha de São Paulo sobre ela. Amiga, grata por mais este seu trabalho. Ternos abraços.

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  4. Angela, muito bom o seu artigo. Vou ler o livro posteriormente. Tema que afeta a todos nós! Parabéns!

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  5. Reflexão é um ato necessário sempre principalmente agora quando verdades estão sendo questionadas e começamos a perceber citações e movimentos reacionários e tendenciosos. Equilíbrio é a palavra de ordem para não sairmos de um grande erro histórico cultural entrarmos numa guerra de culpas que somente o respeito pelo outro vai nos levar a um caminho de luz. Existe sim o racismo estrutural mas é com paz e não com ódio que vamos superá-lo.

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